Segunda-feira, 19 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 18 de maio de 2025
Aprovado sob a justificativa de corrigir a sub-representação populacional na Câmara dos Deputados, o projeto que amplia o número de parlamentares de 513 para 531 tem potencial para ser questionado no Supremo Tribunal Federal (STF). Juristas e cientistas políticos avaliam que, embora o aumento de cadeiras seja uma prerrogativa do Congresso, a forma como elas foram distribuídas desrespeita o critério de proporcionalidade entre população e representação dos Estados.
O projeto foi apresentado como resposta à decisão do STF, que em 2023 declarou a omissão do Congresso em revisar a composição das bancadas estaduais com base nos dados do Censo de 2022. A Corte, então, determinou que fosse atualizada até junho de 2025 a representação dos Estados na Câmara, de maneira proporcional à população, conforme prevê a Constituição. A última atualização foi feita em 1994.
Pela regra constitucional, nenhum Estado pode ter menos de 8 deputados e o mais populoso, São Paulo, deve ter, no máximo, 70. Dentro desses limites, o número de cadeiras deve ser ajustado conforme a população de cada unidade da federação.
Foi com base nesse princípio que o STF determinou a redistribuição das 513 cadeiras já existentes, e não o aumento do total. Para cumprir esse critério, seria necessário tirar cadeiras de Estados que perderam peso populacional e repassá-las aos que mais cresceram.
O problema, explica o cientista político da FGV Cláudio Couto, é que isso não foi feito. Para evitar o desgaste político de retirar cadeiras de determinados Estados, o Congresso optou por ampliar o número total de deputados. A articulação, liderada pelo presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Hugo Motta (RepublicanosPB), garantiu que todas as bancadas fossem mantidas.
As novas cadeiras foram distribuídas apenas a Estados que registraram aumento da população, sem mexer nos que perderam representatividade. Na prática, o Congresso preservou interesses políticos e usou o Censo como justificativa para ampliar bancadas já infladas, sem corrigir desequilíbrios.
Distorção se mantém
O resultado é a manutenção de desequilíbrios históricos na representação. Estados super-representados, como Roraima, continuam com oito deputados, mesmo concentrando apenas 0,3% da população. Já São Paulo, com 22% dos habitantes do País, mantém apenas 13,7% das cadeiras. O Rio de Janeiro, por sua vez, mesmo tendo perdido participação relativa na população, preserva suas 46 cadeiras, quando deveria ter perdido quatro, segundo a fórmula proporcional prevista na lei
Enquanto isso, Estados como Pará e Ceará, que deveriam ter sido mais beneficiados, receberam acréscimos tímidos. Portanto, insuficientes para reequilibrar a representação. Esse desvio do critério de proporcionalidade, avalia Couto, é o que abre espaço para questionamentos no Judiciário. Na mesma linha, o professor Luiz
Gomes Esteves, do Insper, aponta que o problema está na forma como o projeto foi conduzido, ignorando a diretriz central do STF, que previa a correção da representação dos Estados conforme o tamanho de suas populações. “A escolha por ampliar o total de deputados, sem revisar a lógica da distribuição, pode abrir margem para que a lei seja contestada no próprio Supremo”, afirma.
No campo político, a possibilidade de judicialização também está no radar. Um dos partidos que estudam acionar o Supremo contra a medida é o PSOL. O deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) afirma que, ao impedir que Estados percam cadeiras mesmo quando perdem população, o projeto cristaliza um desequilíbrio federativo.
O que pode ocorrer
A distribuição das 18 novas cadeiras ocorreu antes da entrada em vigor da regra, sem qualquer justificativa técnica pública. Mesmo os Estados que ganharam assentos agora não foram contemplados com base em um cálculo técnico claro, mas por uma escolha política. Para a pesquisadora, essa condução compromete o objetivo central da decisão do STF, que era justamente corrigir a distorção entre população e número de cadeiras por Estado.
Caso essa tese avance, o Supremo poderá ser provocado a declarar que a norma é inconstitucional, exigindo que a Câmara delibere novamente sobre o tema. Em um cenário de normalidade institucional, esse tipo de interferência seria improvável, avalia o professor de ciência política do Insper, Leandro Consentino. No entanto, o clima de tensão entre os Poderes pode mudar esse cálculo. “Dado o histórico recente de desgaste entre Congresso e Supremo, essa pode ser mais uma carta no jogo institucional, uma reação do STF frente às tentativas de limitar seus poderes”, afirma. Com informações de O Estado de S. Paulo.