Quinta-feira, 30 de outubro de 2025
Por Edson Bündchen | 30 de outubro de 2025
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editoriais de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
O Brasil tem o hábito de marcar encontros com o futuro, e não comparecer. O discurso sobre o país do amanhã já é, ele próprio, uma metáfora de nossa eterna postergação. Desde os tempos da industrialização tardia, passando pela promessa da redemocratização e chegando à era digital, sempre projetamos o Brasil como uma nação que “vai dar certo”. Mas o futuro chega, e nos encontra despreparados, divididos e presos às velhas manias de adiar o que precisa ser feito. Se somos, tanto na esfera individual quanto no âmbito organizacional, frutos dos nossos hábitos, a procrastinação é definitivamente um aspecto de nossa cultura que devemos mudar.
A procrastinação, assim, no caso brasileiro, não é apenas um vício individual que mina as chances de realização pessoal. Ela se transformou em um traço coletivo, um elemento de cultura política e social. Adiamos reformas estruturais, mesmo aquelas mais danosas, empurramos decisões difíceis para governos seguintes, postergamos a modernização do Estado e nos contentamos com paliativos. Vivemos em modo de improviso, de um jeitinho que foi perdendo a graça, como se o amanhã fosse um território infinito onde o tempo não cobrasse juros.
O resultado é um país que não fracassa totalmente, mas também não vence. Nosso futuro não é apocalíptico, e nem poderia ser, dada a abundância de recursos naturais, a criatividade do povo e a força de nossa agricultura. Mas é um futuro medíocre, de baixo voo, onde as promessas não se concretizam. Ficamos à margem do crescimento global, assistindo ao avanço de nações que, há poucas décadas, eram tão ou mais pobres que nós. Esse desperdício, esse encontro com o futuro que nunca chega não é, evidentemente indolor. Em seu rastro, essa ineficiência contumaz condena gerações ao desamparo, quando poderiam ter outra sorte, muito melhor. Que tipo de tribunal poderia julgar tamanho descaso e irresponsabilidade?
Parte do problema está em nossa relação com o Estado. O brasileiro médio aprendeu a buscar vantagens no governo e evitar riscos privados. Queremos proteção, subsídios, cotas, favores. A lógica do mérito e do esforço foi substituída por uma cultura de dependência, que recompensa o esperto e pune o produtivo, seja através de uma burocracia asfixiante, seja através de impostos indecentes. Assim, o empreendedor é visto com desconfiança, castigado pelo peso desproporcional da máquina pública, enquanto a ineficiência é protegida em nome da estabilidade.
A postergação crônica também se revela em nossa mentalidade econômica. Investimos pouco em inovação, ciência e educação de qualidade. Falta-nos a coragem de reformar o ensino, simplificar o sistema tributário, desburocratizar o Estado e premiar a produtividade. É como se o país temesse dar o salto, preferindo o conforto do atraso ao risco do progresso. Não será desse modo, contudo, que romperemos com nosso crônico atraso, tampouco oferecendo melhores perspectivas para maior justiça social.
Essa inércia se perpetua, é preciso ressaltar, porque aprendemos a normalizá-la. Criamos um pacto tácito de complacência: todos sabem o que precisa ser feito, mas ninguém quer ser o primeiro a pagar o preço. Falta-nos, talvez, o que os antigos chamavam de brio, o senso de dignidade que faz uma nação levantar-se contra a mediocridade.
O mundo mudou. As economias que prosperaram foram aquelas que encararam suas ineficiências e enfrentaram o desconforto da transformação. O Brasil, ao contrário, preferiu o alívio do adiamento. Continuamos discutindo temas que já deveriam estar resolvidos há décadas, a reforma administrativa, a modernização da infraestrutura, o saneamento, a educação básica. O amanhã segue sempre prometido, nunca entregue.
Chegou a hora de comparecer ao encontro que marcamos há tanto tempo. O futuro não espera os indecisos, nem recompensa os acomodados. O Brasil precisa, enfim, abandonar o vício de adiar e assumir o protagonismo que sua história e seu potencial exigem.
(Instagram: @edsonbundchen)
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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