Quarta-feira, 03 de dezembro de 2025
Por Redação O Sul | 3 de dezembro de 2025
As mãos e os braços responsáveis pelo cuidado diário vital para pessoas diagnosticadas com Alzheimer e outras neurodegenerações são majoritariamente femininos. Dentre os cuidadores, 86% são mulheres. É o que mostra um estudo recente publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria, que também mapeou os custos financeiros associados ao tratamento da demência no Brasil.
Nesse cenário, os pesquisadores notaram que quanto mais grave a síndrome, maior o custo: no estágio inicial a família gasta a partir de R$ 5.513 (cotação atual), enquanto no estágio intermediário sobe para R$ 7.266,27 e no estágio avançado chega a R$ 8.690,73. E 73% dos custos recaem sobre os familiares mais próximos, como filhos e netas.
O trabalho indica que, por estágio de desenvolvimento do quadro, os custos indiretos — que se referem a perda de produtividade do cuidador, o tempo dedicado aos cuidados e o impacto na qualidade de vida tanto do paciente quanto da família — são de 78,5% (do total gasto) no estágio inicial, de 81,8% moderado e 72,9% no estágio avançado.
Quanto ao perfil das cuidadoras mulheres, a idade média é de 57,8 anos e, dentre o grupo, 29,3% têm entre 9 e 11 anos de escolaridade. O estudo, realizado em 17 municípios brasileiros em 2023, faz parte do Relatório Nacional sobre a Demência no Brasil (ReNaDe), feito com apoio do Ministério da Saúde.
Mulheres
A presidente da Abraz, Celene Queiroz, afirma que, no Brasil, na maioria dos casos apenas uma mulher precisa lidar com a responsabilidade sozinha. E isso se deve às raízes machistas da sociedade.
“O cuidado é colocado como uma qualidade inerentemente feminina. Muitas mulheres são contaminadas por esse tipo de pensamento, por isso que geralmente elas entram na frente. São mulheres que abdicam da sua vida, dos seus sonhos, para cuidar”, aponta a médica geriatra.
A psiquiatra Cleusa Pinheiro Ferri, pesquisadora do Hospital Alemão Oswaldo Cruz que coordenou o projeto do Relatório Nacional sobre a Demência no Brasil, argumenta que é mais uma evidência de como as mulheres são mais afetadas com sobrecarga de multitarefas.
“A visão social é de que é papel inteiramente da mulher de cuidar de todas as gerações. Seja filho, sobrinho, marido, pai e avô”, acrescenta.
A expectativa de vida para pacientes diagnosticados com Alzheimer em estágio inicial pode chegar a 15 anos. Durante o período de cuidado, muitas mulheres desenvolvem ansiedade e depressão.
“As cuidadoras com parentesco próximo de quem recebeu o diagnóstico desenvolvem elas próprias condições prejudiciais para a saúde mental. Isso acontece, principalmente, porque ela deixa de ser, por exemplo, a ‘Joana’ em sua vida pessoal e social, para ser ‘a filha do seu Alberto’ em tempo integral”, aponta.
Dessa forma, manter a rotina exaustiva em prol da saúde de um parente próximo pode custar a própria vida pessoal, que entra em segundo plano. E, como argumentam as pesquisadoras do estudo, muitas vezes isso significa abrir mão de alguma coisa para prosseguir na função de cuidador.
Ainda que partam de uma iniciativa pessoal, os cuidados refletem um cenário global de surgimento de novos casos. Uma análise publicada na renomada revista científica The Lancet projeta que até o ano de 2050 o número de pessoas convivendo com demência triplique no país — e em todo o mundo.
“Tanto em nível municipal quanto federal existem iniciativas públicas incipientes de cuidados. Mas, na medida que a gente melhorar isso, também melhoramos, como consequência, a questão dos gastos que recaem em grande parte sobre as famílias e também da exaustão dos cuidadores que se vê atualmente”, conclui Cleusa. (Com informações do jornal O Globo)