Domingo, 14 de dezembro de 2025
Por Redação O Sul | 13 de dezembro de 2025
O projeto de lei que cria o aluguel consignado foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados. O tema estava em discussão por mais de uma década.
O modelo permite que o valor da locação seja descontado diretamente da folha de pagamento do trabalhador, de maneira similar ao que já ocorre com o crédito consignado. O objetivo é levar esse mecanismo, que possui um histórico de baixa inadimplência, ao mercado de moradia.
Pelo texto, servidores públicos e trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas poderão autorizar a consignação de até 25% do salário líquido para o pagamento de aluguel e encargos, respeitando o limite de 50% para todos os empréstimos consignados feitos. O desconto só poderá ser suspenso mediante apresentação da rescisão do contrato de locação.
A medida chega em um momento em que o país vive um ciclo de expansão imobiliária. Para Marco Sabino, sócio do Mannrich e Vasconcelos Advogados, parte relevante dos imóveis entregues nos últimos anos foi comprada para renda, com expectativa de colocação rápida no mercado. Essa combinação criou pressão por instrumentos que aumentem a segurança jurídica e ampliem o acesso das pessoas a contratos formais de locações.
A própria legislação do setor vem sendo alterada ao longo do tempo, acompanhando movimentos econômicos e a profissionalização do mercado. Hoje, a Lei do Inquilinato lista um rol fechado de garantias, como fiador, caução e seguro-fiança, algo considerado ultrapassado por especialistas.
“É uma lei antiga e engessada nessa parte das garantias”, diz Daniel Cardoso Gomes, socio do Amatuzzi Advogados.
A inclusão do desconto em folha, diz o advogado, expande esse conjunto e reduz dependência de modelos problemáticos, como o fiador pessoa física. Segundo ele, decisões judiciais que afastaram a penhora do bem de família do fiador criaram insegurança e diminuíram a disposição dos proprietários em aceitar esse tipo de garantia. “Com uma nova modalidade expressa em lei, você abre porta para quem não conseguia formalizar contrato.”
Um dos pontos sensíveis do projeto de lei é a continuidade da garantia em caso de demissão.
“Sem vínculo empregatício, o aluguel não pode ser descontado. Isso pode gerar retomada do imóvel, porque o contrato não pode ficar sem garantia”, afirma Gomes.
“O projeto de lei traz expressamente que em caso de demissão do locatário, ele poderá devolver o imóvel sem o pagamento de eventual multa por devolução antecipada”, afirma Arthur Thomazi, sócio do C2T Adv.
Para o trabalhador já desempregado, nada muda: ele continuará dependente de outras modalidades de garantia atualmente disponíveis.
Nos bastidores, discute-se se o texto poderá suprimir o parágrafo único do artigo 37 da Lei do Inquilinato, que hoje proíbe a contratação de mais de uma garantia no mesmo contrato. A mudança teria efeitos distintos para locações residenciais e comerciais.
“Para grandes operações, como locações corporativas e built-to-suit, permitir duas garantias seria muito positivo, porque os valores são altos e uma garantia só não cobre o risco”, diz Gomes. “Mas, se isso for liberado sem ressalva para contratos residenciais, abre margem para abuso. A ideia é ampliar acesso, não criar obstáculos.”
O advogado afirma ainda não haver clareza se a vedação será de fato retirada, mas diz que a eventual revisão interessa ao setor há anos.
O texto segue para análise conclusiva nas demais comissões da Câmara, sem necessidade de votação em plenário, a menos que haja recurso. Depois disso, vai ao Senado, onde ainda não há sinalização de mudanças. O governo não formalizou posição.
Segundo o presidente da ABMI (Associação Brasileira do Mercado Imobiliário), Alfredo Freitas, estudos indicam que o aluguel consignado pode beneficiar até 20 milhões de brasileiros, especialmente aqueles com baixo escore de crédito, com uma economia estimada de R$ 4,5 bilhões ao ano e redução média de 4% no custo do aluguel.
Antes de ser aprovado pela CCJ da Câmara, o PL 462/2011 passou mais de dez anos parado e retomado várias vezes no Congresso. O projeto foi apresentado em 2011 pelos deputados Julio Lopes (PP-RJ) e Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG) e, naquele mesmo ano, seguiu para análise da Comissão de Trabalho e da própria CCJ.
Na Comissão de Trabalho, o texto andou em 2015: recebeu um parecer favorável, foi aprovado em reunião e já incorporava outras propostas semelhantes. Nessa época, Julio Lopes — que hoje preside a Frente Parlamentar Mista de Serviços — participou de articulações sobre o tema, incluindo um almoço promovido pela ABMI em Brasília.
Mesmo depois desse avanço, o projeto continuou seguindo o trâmite normal e teve prazos reabertos para novas sugestões em 2014, 2015 e novamente em 2023.
O tema só ganhou força de novo em 2025, quando entrou na Agenda Positiva entregue pela ABMI a parlamentares em agosto. Em outubro, o relator na CCJ, deputado José Medeiros (PL-MT), deu parecer favorável ao texto, destacando que ele cumpria as regras constitucionais e de técnica legislativa. As informações são do jornal Folha de S.Paulo.