Segunda-feira, 05 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 25 de junho de 2018
A cada três dias, ao menos uma mulher busca apoio da Justiça para entregar seu bebê ainda em gestação ou já nascido para adoção. É a chamada entrega legal ou voluntária, prevista no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), mas pouco divulgada. O levantamento foi feito pelo jornal Folha de S. Paulo a partir de consulta a tribunais. Desde janeiro de 2017 até maio deste ano, já foram ao menos 203 casos no País — um a cada 2,5 dias. O número, no entanto, deve ser maior, já que nem todos os Estados forneceram dados completos.
De 27 tribunais consultados, apenas 11 enviaram informações. Os demais afirmaram não ter estatísticas ou não responderam. A mudança vem na esteira de uma nova lei, sancionada em novembro, que estabelece garantia para as mães do direito ao sigilo sobre o nascimento e traz etapas e prazos de atendimento. Até então, artigos que falavam de entrega legal citavam apenas a necessidade de assistência, sem detalhar alguns procedimentos. Também havia insegurança sobre o sigilo em alguns casos. A situação tem estimulado mais tribunais a criar projetos de divulgação e capacitação sobre o tema.
O objetivo é evitar casos de abandono de bebês, garantir proteção à mulher e à criança e tentar frear o alto volume de adoções irregulares ou “disfarçadas” — quando uma pessoa sem parentesco com o bebê entra com pedido de guarda. “Infelizmente ainda temos muitos casos de entrega irregular”, diz o juiz Sérgio Luiz Ribeiro de Souza, presidente da coordenadoria das varas de infância do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), que lançou no último mês o projeto Entregar de Forma Legal é Proteger.
“Com a entrega regular, a mãe vai ser apoiada, e a criança vai para alguém habilitado no cadastro de adoção e que já passou pelo crivo da Justiça”, diz. Além do Rio, projetos semelhantes foram lançados em Mato Grosso, Pará, Ceará e Rio Grande do Sul. Ao menos oito Estados já tinham iniciativas anteriores — as pioneiras são o Programa de Acompanhamento à Gestante, no DF, seguido do Mãe Legal, em Pernambuco.
Na prática, o processo de entrega não é tão simples. Segundo os tribunais, muitas mulheres que manifestam o desejo pela entrega ainda são alvo de preconceito, inclusive dos próprios profissionais de saúde responsáveis pelo atendimento nas maternidades. “Muitas dessas mulheres são prejulgadas e desqualificadas, tratadas como indignas e merecedoras de cadeia. No ambiente hospitalar, percebemos que o sigilo nem sempre é garantido e há atravessadores, o que traz risco”, relata Walter Gomes, supervisor de adoção da Vara de Infância e Juventude de Brasília.
Para conter o problema, desde o ano passado o DF tem uma lei que obriga a fixação de placas nas unidades de saúde para informar que a entrega à Justiça para adoção não é crime. Medida semelhante entrou em vigor em São Paulo neste mês. “Normalmente a mulher acha que será punida. Mas entregar não só não é crime, como é um direito da mãe”, afirma Iberê de Castro Dias, juiz assessor da Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo.