Segunda-feira, 19 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 7 de fevereiro de 2020
A partir deste ano, os católicos da Itália terão que decorar uma nova versão do “Pai Nosso”, diferente da tradicional. Nada que a fé não resolva, até porque a mudança nem será tão grande: apenas uma frase. Mas por se tratar de uma das principais e mais conhecidas orações da Igreja de origem apostólica romana, o assunto ganhou destaque no noticiário do país europeu.
Até o primeiro domingo do Advento, que neste ano será celebrado no dia 29 de novembro, uma edição revista e atualizada do “Missal Romano”, que reúne todas as orações que os padres rezam durante a missa, chegará às paróquias italianas.
Na terceira edição do livro em italiano, o “Pai Nosso” mudará no trecho que, em português, é lido como “não nos deixeis cair em tentação”. Em italiano, o trecho atualmente é “non ci indurre in tentazione”, algo que poderia ser traduzido diretamente como “não nos induzais à tentação”.
A nova versão será “non abbandonarci alla tentazione”, com uma tradução direta que seria “não nos abandoneis à tentação”. Não haverá alteração nas traduções para outros idiomas. Também será alterado o hino Glória em italiano. O trecho “Paz na Terra aos homens de Boa Vontade” dará lugar a “Paz na Terra aos homens amados por Deus”.
As mudanças foram propostas pelo presidente da Conferência Episcopal da Itália, o cardeal Gualtiero Bassetti, e aprovadas pelo papa Francisco no dia 22 de maio do ano passado, durante a 72ª Assembleia-Geral dos bispos italianos.
“Deus não nos dá tentações”, explica dom Edmar Peron, presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia, da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). “O papa Francisco recorda que a oração começa com pai e um pai não arma ciladas para seus filhos. O nosso Deus é de misericórdia. Ele está sempre conosco e nos estende a mão sempre que precisamos.”
O papa Francisco já havia se pronunciado a respeito da versão em italiano do “Pai Nosso”. Em entrevista ao programa “Padre Nostro”, transmitido pelo canal TV 2000, em outubro de 2017 o pontífice admitiu que “não nos induzais à tentação” não era uma boa tradução. “Sou eu quem cai em tentação e não Deus que me joga nela”, afirmou o líder católico ao apresentador, padre Marco Pozza.
A versão brasileira não sofre com esse problema. Por aqui, há muito é rezada como “não nos deixeis cair em tentação”, muito próximo do sentido que a nova tradução italiana pretende dar à frase.
Questão linguística
No italiano, o verbo “indurre” (“induzir”) foi traduzido do latim “inducere” (“empurrar”) a partir do grego “eisféro” (“conduzir para dentro”), explica o padre Paulo Bazaglia, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma e coordenador do Centro Bíblico Paulus.
“Jesus conversava em aramaico com seus discípulos, mas os evangelhos foram escritos em grego. O verbo grego não conseguiu traduzir a ideia presente no original aramaico. Enquanto um significa ‘fazer entrar’, ou seja, dá a ideia de entrar à força, o outro tem sentido permissivo, isso é, ‘deixar entrar’. O Deus de Jesus não empurra ninguém para a queda, nem passa rasteiras ou contabiliza quantas vezes caímos para rir de nós”, diz.
Segundo a tradição católica, todos os fiéis, sem exceção, estão sujeitos a cair em tentação. Até o próprio Jesus, relatam os Evangelhos, foi tentado pelo Diabo no deserto.