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Colunistas O ministro Guedes e os “bons tempos das domésticas domesticadas”

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Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

O cenário: uma antiga fazenda de café. Algo do tipo Casa-Grande & Senzala, compreendem? Os personagens: dois recém-casados, caucasianos, que, ao acordarem, encaminham-se ao café da manhã (servido por uma empregada doméstica).

Corta! Cena 2: A câmera mostra os “colaboradores” da “casa-grande” se encaminhando para a plantação, com ferramentas rudimentares (típicas “daqueles tempos”).

Corta. Cena 3: O lindo sol raia no horizonte enquanto os campesinos se afastam e o belo casal, vestindo roupas brancas (assepsia, é claro!) senta-se à mesa, ornada com toalha rendada e com xícaras de fino porcelanato.

Corta. Cena 4. Os patuleus já estão na plantação.

Corta. Cena 5, final. O café sendo servido. Fumegante, denso, saboroso… e uma voz vigorosa, meio rouca, em off anunciando, algo como “Nescafé Casagrande: a volta dos bons tempos!”

Essa peça publicitária foi ao ar na televisão aberta já há algum tempo e representa um imaginário que (ainda) permeia as relações de trabalho doméstico (e rural) em Pindorama. Reflexos de uma cultura escravagista e segregadora que se manifesta, ora sutilmente, ora explicitamente, como vamos ver em seguida.

Historicamente o liberalismo professado pelas elites brasileiras sempre foi atravessado por posturas políticas retrógradas. Interessante mesmo é comparar o comportamento dos oligarcas escravagistas do século XIX com a postura dos que demonstraram “grande preocupação” com a aprovação da legislação que deu mais direitos às domésticas. Seria o caos, diziam. Onde já se viu… “Nossas empregadas” são da família. Agora teremos que lhes pagar mais direitos? Algo que diziam no século XIX. Acabar com a escravidão vais acabar com a economia do país. Pois é. Pois é.

Pois o ministro da economia, o superpoderoso Guedes não se conteve e deixou escapar o que as elites pensam sobre os pobres. Para ele, dólar alto é bom, porque até as domésticas estavam indo para Maiame. Deviam ir a Foz do Iguaçu. Pois é, ministro. Pobre tem de saber o seu lugar, não é?

“Doutor — eu sei o meu lugar”

É inegável que, assim como as favelas são o modelo do século XXI das senzalas, o empregado doméstico é o que mais se aproxima da ideia de escravo. É o ser socialmente invisível — leiam o livro A Elegância do Ouriço), cuja condição de violenta sub-humanidade é eufemisticamente encoberta por frases como “a fulana é quase uma pessoa da família” ou “ela até come na mesa com a gente”.

Há alguns anos eu contava em palestras o seguinte episódio, que retrata bem o modo como o “imaginário doméstico-brasileiro” foi sendo introjetado: no Rio de Janeiro, um empregador enfrentou o condomínio de seu prédio, requerendo em juízo o direito de sua empregada doméstica a utilizar o elevador social (no prédio, havia o apartheid entre elevadores sociais e de serviço). De posse da ordem judicial, o patrão comunicou o fato à empregada. No dia seguinte, vinha ela carregando a sua sacola das Casas da Banha e se dirigiu diretamente ao elevador de serviço. O patrão, sabendo disso, perguntou-lhe as razões dessa atitude, ao que ela respondeu: “Doutor – eu sei o meu lugar”.

Pois é. Lendo frases como as que disse o ministro Paulo Guedes, lembro da fazenda de café e da mulher das Casas da Banha. A domesticação foi tão grande que cada um acaba sabendo, mesmo, o seu “lugar”. O “lugar” que essas elites lhe determinaram.

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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https://www.osul.com.br/o-ministro-guedes-e-os-bons-tempos-das-domesticas-domesticadas/ O ministro Guedes e os “bons tempos das domésticas domesticadas” 2020-02-15
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