Terça-feira, 11 de novembro de 2025
Por Redação O Sul | 18 de abril de 2020
O presidente Jair Bolsonaro assinou medida provisória (MP 942/2020) que obriga as empresas de telecomunicações a compartilharem dados dos clientes com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essas informações, de acordo com a MP (veja a íntegra mais abaixo), serão usadas para a produção estatística durante a pandemia de coronavírus. Para o advogado Aphonso Mehl Rocha, consultor nas áreas de compliance, governança e proteção de dados, a proposta afronta a Constituição Federal.
Pelo segundo artigo da medida provisória, as empresas de telecomunicação prestadoras do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) e do Serviço Móvel Pessoal (SMP) serão obrigadas a compartilhar com o IBGE a relação dos nomes, dos números de telefone e dos endereços de seus consumidores, pessoas físicas ou jurídicas.
O governo quer transformar o Brasil numa espécie de Big Brother, é a mesma coisa de ter uma câmera seguindo cada indivíduo para saber onde ele esteve o dia todo”, alerta o especialista.
A medida provisória também determina que os dados sejam “utilizados direta e exclusivamente pela Fundação IBGE para a produção estatística oficial, com o objetivo de realizar entrevistas em caráter não presencial no âmbito de pesquisas domiciliares”. O advogado ressalta, entretanto, que o detalhamento dos dados exigidos na MP invade a privacidade do indivíduo. “É preocupante, porque o presidente da República determina que as companhias telefônicas exportem para o IBGE os dados completos dos cidadãos, com os deslocamentos e todos os demais tributos que proporcionam a identificação de cada pessoa”, explica. “Se eu tiver me deslocando por Curitiba, por exemplo, vai aparecer nesse relatório os locais em que eu estive com o dispositivo celular”, exemplifica Aphonso Mehl.
Para o advogado, a MP afronta diretamente a Constituição. O especialista explica que a medida provisória tem força de lei ordinária e não força constitucional, ou seja, uma MP não pode se sobrepor ao que diz a Constituição. A Carta Magna, em seu artigo quinto, inciso dez, determina que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Na avaliação do especialista, a MP ignora esse artigo constitucional.
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), em seu artigo sétimo, afirma que o tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado pela administração pública, para o tratamento e uso compartilhado de dados necessários à execução de políticas públicas previstas em leis e regulamentos, ou ainda, para a tutela da saúde, exclusivamente, em procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária.
O maior problema, segundo Aphonso Mehl, está no nível de detalhamento exigido na MP. “A medida não preconiza a anonimização da informação”, observa o advogado. Ele explica a diferença da medida de Bolsonaro em relação à aplicada pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Em São Paulo o governador recebe, por parte das telefonias, os dados de circulação de pessoas, sem, no entanto, ter acesso à informação de quem saiu de casa.
Já pela MP de Bolsonaro, o governo terá acesso aos dados de cada cidadão, com acesso ao nome, endereço e demais dados pessoais e poderá assim identificar quem saiu de casa, quando e por quanto tempo.