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Por Redação O Sul | 22 de fevereiro de 2020
Considerada por alguns especialistas como imprecisa e com punições excessivas, a lei de improbidade administrativa pode ser alterada por um projeto de lei em trâmite no Congresso. A lei foi promulgada em 1992 em meio às denúncias de corrupção no governo de Fernando Collor (1990-1992), com o objetivo de penalizar na área cível agentes públicos envolvidos em desvios. Hoje, porém, até integrantes do Ministério Público, principal autor de ações desse tipo, defendem mudanças nessa legislação.
O principal problema apontado pelos críticos é que as regras atuais deixam uma ampla margem de interpretação sobre o que é um ato de improbidade. O anteprojeto de reforma foi elaborado por um grupo de especialistas criado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e coordenado pelo ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Mauro Campbell, em 2018. Agora está em tramitação em uma comissão especial da Câmara.
A proposta legislativa busca definir com mais clareza o quadro de situações de improbidade e excluir dele os atos decorrentes de “interpretação razoável” de legislação, regulamento ou contrato. O relator do projeto, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), disse que deve apresentar seu relatório até o final deste mês.
Ao longo de quase 30 anos, alguns promotores e procuradores passaram a considerar erros administrativos de prefeitos como enquadráveis na lei de improbidade.De acordo com Zarattini, “se o prefeito resolve comprar cadeiras para o posto de saúde, e o promotor acha que deve ser comprado um tomógrafo, o promotor vai questionar e eventualmente dizer que houve improbidade”. “Porém esse é um tipo de decisão administrativa do prefeito, que deve ser julgada pela população, que pode votar contra ele na próxima eleição.”
“A vida de prefeitos honestos é transformada em um inferno por causa da descrição muito aberta da lei, qualquer coisa pode ser posta ali”, afirma o juiz federal Friedmann Wendpap, responsável por mais de 90 processos de improbidade resultantes da Operação Lava Jato na 1ª Vara Federal Cível em Curitiba. Segundo Wendpap, a lei veio à tona em 1992 como uma resposta ao caso dos anões do Orçamento e à percepção de que iriam fracassar os processos criminais contra o então presidente Collor, atualmente senador.
Apesar de naquele ano Collor ter renunciado após a abertura de um processo de impeachment baseado em denúncias de corrupção, além de ter sido condenado à perda dos direitos políticos por oito anos pelo Congresso, na área penal as ações contra o ex-presidente não tiveram sucesso sob a justificativa de fragilidade das provas.
De acordo com Wendpap, instrumentos importantes de obtenção de provas à época não estavam regulamentados, como a delação premiada. Ante a descrença na possibilidade de levar políticos corruptos para a cadeia, a ideia naquele período foi aprovar uma legislação no campo cível para atingir o patrimônio dos autores de desvios.
Outra alteração do projeto em trâmite no Congresso é a de manutenção apenas da modalidade dolosa de improbidade, ou seja, passam a ser puníveis apenas as condutas em que há intenção de praticar o ato ilegal. A proposta elimina a forma culposa, situação na qual a conduta indevida ocorreu por negligência, imprudência ou imperícia, por exemplo.
Com essa medida o número de condenações deve cair de modo significativo, uma vez que é muito mais difícil para a acusação comprovar na Justiça o ato doloso, ou seja, que o agente público agiu conscientemente com o objetivo de violar a lei. O procurador-geral de Justiça Gianpaolo Smanio, chefe do Ministério Público do Estado de São Paulo, também defende que a lei seja mais clara sobre as hipóteses passíveis de punição, mas faz ressalvas quanto ao tema do fim da forma culposa de improbidade.