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Por Redação O Sul | 29 de setembro de 2019
Beira o inverossímil a confissão tornada pública por Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da República, de que em 2017 teria comparecido armado ao STF (Supremo Tribunal Federal) com o intuito de assassinar o ministro Gilmar Mendes e se suicidar em seguida.
Dificilmente se compreende a motivação do relato tardio e aterrador, seja ele real, exagerado ou falso. Fato é que o episódio abala a credibilidade de toda a conduta passada do homem que comandou o Ministério Público Federal durante quatro dos mais cruciais anos de existência da instituição.
A partir do estabelecimento da Operação Lava-Jato em 2014, no segundo ano de sua gestão, Janot passou a ser uma peça-chave da intrincada máquina de apuração daquilo que se considera o maior esquema de corrupção descoberto na história do País.
Se os sucessos da empreitada são evidentes pelo alcance de suas revelações, cada vez mais também o são os limites e os efeitos colaterais de seu modus operandi.
Retrospectivamente, o espírito irascível autoatribuído pelo ex-procurador-geral parece legitimar a visão daqueles que enxergavam nas edições da “lista do Janot” não só um índex de corruptos em potencial, mas também uma forma de intimidação da classe política.
À luz da confissão concomitante ao lançamento de um livro sobre sua gestão, as rusgas com Gilmar Mendes e outros personagens ganham conotação persecutória.
Ela já havia se insinuado em episódios como o da prisão do banqueiro André Esteves, em 2015, em uma investigação que envolvia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e terminou em absolvições.
O ápice do questionamento do então procurador-geral deu-se em 2017, quando começou a ser desmantelada a generosa delação dos irmãos Batista. A revelação de conduta imprópria do então presidente Michel Temer (MDB) acabou tisnada pela condescendência com que os delatores foram tratados.
Mesmo a terminologia empregada por Janot, como quando prometia flechadas “enquanto houver bambu” contra Temer, sugere algo mais do que jocosidade — a quebra de impessoalidade essencial para o exercício da função.
Perde assim o Ministério Público, já desgastado pela exposição dos diálogos entre procuradores e o então juiz Sérgio Moro, em momento de escrutínio institucional da Lava-Jato. O Supremo, afinal, acaba de formar maioria sobre o papel da delação em processos, que pode ter efeito sobre condenações no âmbito da operação.
O destempero de Janot suscitou enérgica reação do STF, já na berlinda devido à revisão de sentenças. Acirraram-se tensões em momento que demanda racionalidade. (Folha de S.Paulo)