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Por Redação O Sul | 30 de setembro de 2018
As sucessivas maxidesvalorizações do peso desde o início deste ano provocaram um acelerado aumento de preços na Argentina, com forte impacto no dia a dia da população. A alta do dólar alimenta a inflação, que deixa mais caro tudo o que chega à mesa do argentino. Nem alimentos básicos como a carne e o pão escapam da escalada na remarcação de preços.
O orçamento para 2019 enviado pelo governo argentino ao Congresso, ainda sob debate dos parlamentares, estimou que este ano deve terminar com uma inflação de 42%. Seria a taxa mais alta dos últimos 27 anos, mas a estimativa é considerada conservadora pelos analistas de mercado e até mesmo por fontes do banco central argentino, que calculam um aumento de preços de até 48% em 2018, superado na América do Sul apenas pela hiperinflação venezuelana.
O clima de incerteza aumentou na sexta-feira, com nova disparada do dólar na Argentina. A moeda americana superou a barreira dos 42 pesos, subindo quase 4% em relação ao dia anterior.
Os temores estão relacionados ao novo sistema de bandas cambiais anunciado na última quarta-feira pelo novo presidente do Banco Central da Argentina, Guido Sandleris, o terceiro em quatro meses. A medida prevê intervenções da instituição no mercado cambial quando o dólar estiver abaixo de 34 pesos e acima de 44. Trata-se de uma novidade para a Argentina, implementada em momentos de extrema volatilidade cambial e de desconfiança nos mercados externos. Paralelamente, o novo presidente do BC argentino comunicou que a instituição não terá mais metas de inflação.
Com isso, os preços que afligem os argentinos devem continuar subindo. O novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que ampliou em US$ 7,1 bilhões o empréstimo de US$ 50 bilhões concedido ao país em junho passado, afastou o risco de um eventual calote em 2019. Mas não deu ao presidente Mauricio Macri a tranquilidade esperada, já que a instabilidade cambial tem tudo para continuar alimentando uma escalada dos preços que corrói a popularidade do governo.
Carne e pão nas alturas
No dia a dia do argentino, os preços se tornaram um assunto onipresente. Tudo aumenta, cada vez com mais frequência. A maxidesvalorização do peso está obrigando muitos argentinos a realizar uma sofrida mudança de hábitos de consumo, substituindo alimentos que há décadas são tradicionais em refeições familiares.
A carne, alma da gastronomia local, sofreu reajustes em torno de 20% nos últimos meses. A crise que ninguém imaginou — muito menos os eleitores do homem que durante dois anos foi considerado uma solução para a economia — chegou até mesmo ao pão e está castigando cada vez mais o bolso dos argentinos.
Em menos de um mês, o quilo do pão passou de 64 para 80 pesos (cerca de R$ 8). O resultado foi a queda do consumo de um dos produtos mais básicos na dieta de qualquer país. Basta visitar algumas padarias de bairros portenhos como Chacarita, Almagro, Villa Pueyrredón, Villa Urquiza e Caballito, onde vivem famílias de classe média e média baixa portenhas, para perceber o dano provocado pela desvalorização do peso. Embora a Argentina seja grande produtora de trigo, o insumo das padarias é cotado pelo preço internacional em dólar.
“O preço da farinha foi um dos que mais aumentou e isso obviamente afetou o pão. Em nossas padarias dos bairros de classe média e média baixa tem gente que entra e compra só dois pães. Isso não acontecia antes”, disse Rocio, vendedora da rede de padarias Bellaria, ao jornal O Globo.
As turbulências cambiais argentinas também afetam os preços de frutas que o país importa. O quilo da banana, por exemplo, passou de 35 para 50 pesos (pouco mais de R$ 5). Como a fruta é importada de vários países, principalmente do Equador, o impacto é inevitável.
Alguns produtos já ganharam status de consumo de luxo, como o peixe. Na rede de supermercados argentina Coto, o quilo de alguns tipos de pescado passou de 158 pesos para quase 200 (cerca de R$ 20) em menos de duas semanas.
Na última vez que a Argentina teve uma inflação mais alta que a registrada atualmente, em 1991, a taxa fechou o ano em 84%. Pouco antes, o país fora cenário de uma hiperinflação traumática, que obrigou o ex-presidente Raúl Alfonsín (1983-1989), entre outros motivos, a antecipar em seis meses sua saída do poder. A inflação está presente há décadas na vida dos argentinos, mas nos últimos anos voltou a ser um tormento.
O presidente Macri prometeu derrotar a inflação, mas não conseguiu. Na campanha de 2015, o então candidato costumava dizer que “a maioria dos países do mundo não tem inflação alta, não pode ser tão difícil resolver isso”. Foi com frases desse tipo que Macri se comprometeu com uma solução rápida, mas hoje reconhece que fracassou.