Sábado, 13 de dezembro de 2025
Por Amilcar Macedo | 12 de dezembro de 2025
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editoriais de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
A indicação de um ministro para o Supremo Tribunal Federal é um dos atos mais reveladores da concepção de poder de um presidente da República. Em uma democracia constitucional, não há gesto que simbolize mais claramente se o governante se coloca sob a lei ou se pretende estar acima dela. Pois o Supremo não é apenas mais um órgão de Estado: ele encarna a autoridade da Constituição, limite último do poder político.
Desde Montesquieu, a separação de poderes foi concebida como técnica de contenção da tirania: “todo aquele que detém poder tende a abusar dele”. Por isso, Executivo, Legislativo e Judiciário foram pensados como freios recíprocos. James Madison, nos Federalist Papers, reforçou que a independência judicial é pressuposto da liberdade, pois somente juízes não dependentes da vontade do governante podem controlar os excessos do Executivo e do Parlamento. Hamilton, por sua vez, chamou o Judiciário de “o menos perigoso” dos poderes, justamente porque não possui espada nem bolsa, apenas a força moral da lei.
Daí decorre que a escolha de ministros não pode ser reduzida a barganhas partidárias, retribuição de apoios ou cálculo de lealdades pessoais. Um ministro constitucional deve possuir atributos objetivos: notável saber jurídico, reputação ilibada, independência, autonomia de espírito, temperança, moderação institucional e compromisso explícito com o Estado de Direito. O presidente, ao nomeá-lo, deve agir como quem reafirma publicamente sua própria vinculação à Constituição, como Ulisses que, para resistir ao canto das sereias, amarra-se ao mastro para não sucumbir aos impulsos.
Quando a indicação tem por finalidade fortalecer instituições, ela simboliza que existe algo acima do governante: a lei, que não se dobra a conveniências momentâneas. Quando, ao contrário, o escolhido é alguém cuja função será “controlar” a Corte ou agir como extensão do poder presidencial, rompe-se a arquitetura constitucional. Se o tribunal encarregado de resguardar a Constituição passa a dever lealdade ao governo, a própria Constituição perde sua função de limite.
A história oferece metáforas decisivas. Sólon, um dos sete sábios da Grécia, ao promulgar as leis de Atenas, enfrentou pressões para moldá-las a interesses particulares. Recusou. Repetia que “as leis devem servir à cidade, não aos governantes”. Para impedir que até seus aliados o forçassem a reinterpretá-las, deixou Atenas por dez anos. Seu afastamento voluntário simboliza um princípio eterno: nem o legislador, nem o governante, pode colocar-se acima da ordem jurídica que deve proteger. A autoridade da lei nasce precisamente de sua capacidade de limitar o poder. Bobbio sintetizou isso ao afirmar que democracia não é governo da maioria pura e simples, mas poder público exercido segundo regras que limitam a própria maioria.
Assim, o que se espera de um presidente que indica um ministro do STF? Que ele demonstre, na prática, sua adesão ao Estado de Direito. Que escolha um jurista comprometido com a Constituição, e não com projetos de poder. Que compreenda que nomear é também limitar-se. Que reconheça que tribunais constitucionais existem para preservar a Constituição contra o próprio governo.
O debate nacional não deveria concentrar-se em nomes, mas em critérios. A falta de indignação social quando a Corte é tratada como moeda de troca demonstra quão anestesiada está a sensibilidade institucional. Indicar alguém para o STF não é ato administrativo: é um teste moral e republicano, uma radiografia da vitalidade da democracia.
Falar sobre escolhas para o Supremo, portanto, é falar sobre liberdade. É falar sobre o país que queremos legar às próximas gerações: um país onde a Constituição permaneça acima de todos, inclusive de quem a interpreta.
Amílcar Fagundes Freitas Macedo – Magistrado
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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