Sábado, 10 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 1 de julho de 2018
Os últimos tempos não foram fáceis para a Argentina. Após 14 meses de crescimento, em abril passado o PIB recuou 0,9% em relação ao mesmo mês de 2017 e a projeção anual já caiu de 3% para 1%. Entre maio e junho, o peso se desvalorizou cerca de 40%, a inflação voltou a acelerar e deverá superar 25% este ano.
As turbulências no mercado cambial obrigaram o presidente Mauricio Macri a pedir ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI), que concedeu o maior crédito já autorizado pelo organismo, de US$ 50 bilhões. Em sua cruzada por recuperar credibilidade, o chefe de Estado fez mudanças no gabinete e uma das mais elogiadas foi a incorporação do economista Dante Sica como novo ministro da Produção. Em entrevista ao jornal O Globo, Sica negou que o país esteja entrando em nova recessão.
1- O senhor foi secretário da Indústria em 2002, ano do último calote argentino. Agora assume na maior crise já enfrentada por Macri. Vê semelhanças entre os momentos?
Estou assumindo esta pasta em um momento em que temos uma desaceleração do crescimento, depois de uma crise cambial forte. Mas não tem nada a ver com 2001 e 2002. Talvez a crise cambial tenha instalado uma percepção equivocada. Temos de olhar para a ajuda do FMI como financiamento preventivo e garantia de estabilidade do programa econômico, não como uma medida desesperada. É a garantia aos investidores de que o programa econômico será cumprido, inclusive em um ritmo mais rápido. Este empréstimo também deve ser entendido como a decisão de respaldar um modelo de como passar de um ciclo populista a um ciclo de normalização sem violência, sem crise e com democracia.
2- Economistas locais já falam em nova recessão…
Tecnicamente, recessão são dois trimestres consecutivos sem crescimento. O que temos é desaceleração. No terceiro trimestre, veremos o impacto da crise cambial e teremos meses de queda. Mas esperamos que, no quarto trimestre, comece a recuperação. Vão aparecer números que assustarão, por exemplo, de queda nas vendas de automóveis. Mas esperamos terminar o ano vendendo 940 mil veículos, como em 2017.
3- A lenta recuperação econômica do Brasil atrapalha?
A conta que sempre fizemos é que a cada um ponto percentual de queda do crescimento do Brasil a Argentina perde 0,25 ponto percentual. Em dezembro do ano passado, esperávamos que Brasil e Argentina tivessem 3% de crescimento em 2018. Isso teria ajudado nossas exportações de automóveis e melhorado as exportações de produtos regionais, como vinhos e frutas. A incerteza política deste ano, o fato de que o candidato melhor posicionado nas pesquisas (em referência a Lula) esteja preso e que candidatos com propostas radicais tenham alta intenção de voto geram uma sensação de incerteza, que paralisa investimentos e consumo.
4- Os dois países estão complicados e ninguém ajuda ninguém…
Metaforicamente, pensamos que a esta altura do ano estaríamos correndo, e estamos ambos [Brasil e Argentina] trotando.
5- O Mercosul está, obviamente, paralisado…
O Mercosul está parado, porque temos um país [Brasil] em clima eleitoral.
6- Macri sequer foi à cúpula do Paraguai…
Não existe desinteresse. Para a Argentina, todas as negociações internacionais são em parceria com o Brasil e dentro do Mercosul.
7- O senhor acredita que ainda seja possível fechar o acordo com a União Europeia?
Ainda vejo uma oportunidade para este ano. Falta, principalmente, o setor automobilístico. Se isso for fechado, o resto sai. O governo tem clara vontade de abrir mercados, porque precisamos de comércio e investimentos. Estão chegando investimentos, mas a Argentina deve recuperar a credibilidade nos mercados internacionais. E isso não se consegue apenas normalizando sua política econômica, é preciso, também, ter um sistema de regras de jogo que deem previsibilidade. A UE é importante pelo volume de comércio e como sinal de que a Argentina está disposta a respeitar normas internacionais. Estamos há 40 ou 50 anos violando sistematicamente todos os contratos. Tivemos dois calotes, confisco de depósitos, mudança de regras de jogo que geraram rupturas institucionais… Precisamos recuperar um lugar no mundo. Quando falamos com um investidor e explicamos tudo o que estamos fazendo atualmente, nos perguntam “por que desta vez será diferente, se há 50 anos vocês vêm dizendo a mesma coisa?”.
8- Qual é a questão na negociação sobre automóveis?
O Brasil está liderando esta negociação e é quem está mais duro. São questões de tarifas, cotas de mercado… Fechando isso, estaremos perto de selar um acordo político. Essa é uma meta do governo Macri para este ano.
9- O senhor já conversou com seus colegas de pasta do governo Temer?
Sim, falo com os ministros do Mercosul até por WhatsApp, é incrível a mudança tecnológica entre minha gestão como secretário da Indústria e hoje [risos].