Sexta-feira, 06 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 25 de março de 2021
É fato que a Islândia é uma remota ilha no Atlântico Norte, com apenas um aeroporto internacional e uma população de menos de 500 mil pessoas. Então, seria fácil atribuir a essas circunstâncias o fato de o país ser o primeiro da Europa a praticamente se livrar da covid-19.
Mas se você disser isso aos islandeses, vai criar inimizades. Quando se olha para além da geografia e se analisam os detalhes, dá para entender por que a população local está orgulhosa de seu sucesso diante da pandemia.
Em uma recente noite de quinta-feira, jovens enchem um salão de karaokê em Reykjavik, a capital da Islândia. Eles cantam, se abraçam e trocam beijos.
É um exemplo de normalidade na vida cotidiana, junto com restaurantes reabertos, shows e tudo pelo que o resto da Europa e do mundo ainda anseiam. No momento desta reportagem, havia apenas 20 casos ativos de covid-19 na ilha.
Uma pessoa está hospitalizada, em um país que contabilizou apenas 29 mortes no total, ou 8,5 a cada 100 mil habitantes (no Brasil, esse índice é de 142,1).
“Vinha me preparando para esta pandemia havia 15 anos”, diz à BBC Thorolfur Gudnason, epidemiologista-chefe da Islândia, quando questionado sobre como gerenciou a situação desde o princípio.
“Imediatamente decidimos o que faríamos: testagem, rastreamento de contatos e isolamento de todos que fossem diagnosticados (com covid). Fizemos isso agressivamente, desde o primeiro dia.”
Essa equipe de rastreamento de contato, ao lado de detetives de verdade, começou a trabalhar antes mesmo que a Islândia registrasse seu primeiro caso da doença.
Hoje, um hotel no centro de Reykjavik continua sendo guardado por grades de metal e por um homem, Gylfi Thor Thorsteinsson.
“Bem-vindos ao hotel do isolamento”, diz ele. Thorsteinsson abandonou um emprego na área de marketing no ano passado para abrir o hotel, destino de todas as pessoas diagnosticadas com o novo coronavírus na Islândia.
“No primeiro dia, a maioria da minha equipe simplesmente foi embora ou se recusou a trabalhar”, conta.
Aos poucos, eles foram voltando. No fim das contas, Thorsteinsson e seus funcionários acabaram cuidando de mais pacientes do que todos os hospitais islandeses juntos.
Todos os dias, ele se veste dos pés à cabeça com EPIs (equipamentos de proteção individual) para entrar no quarto de cada paciente e fazer-lhes companhia. “Tem sido uma jornada, sem nunca saber o que o novo dia vai trazer”, ele conta.
No momento, o hotel abriga apenas um punhado de pacientes, mas é um cenário que a Islândia já viu antes. O país havia conseguido controlar a primeira onda da covid-19 com rapidez, a ponto de, em maio de 2020, ser considerado livre da doença.
Esse status durou alguns meses, até que o país foi atingido, inesperadamente, por uma segunda onda mais feroz, depois de dois turistas com exames positivos de covid-19 terem desrespeitado as regras de isolamento.
Àquela altura, porém, Gylfi já tinha fechado seu hotel e até dado uma festa de despedida para sua equipe.
“A gente realmente achou que tivesse vencido (o vírus)”, lembra. “Mas daí recebi um telefonema dizendo que ele havia voltado. Em meia hora, reabri o hotel, e desde então as pessoas têm sido mandadas para cá.”
A diferença é que agora elas vêm direto do aeroporto: depois de erradicar o vírus da sociedade, a Islândia tornou obrigatório, desde junho de 2020, que qualquer pessoa que chegue ao país seja colocada em quarentena e submetida a testes de covid-19 antes de sair do aeroporto.
A testagem no desembarque, medida que demorou a ser adotada por muitos países, passou a vigorar na Islândia poucos meses depois do início da pandemia.
Questionado pela BBC se isso deu vantagem à Islândia, Gylfi, o dono do hotel, responde: “Foram os cientistas quem determinaram as regras, e não os políticos. Isso importa. Eles sabem do que estão falando; os políticos, não.”
A cada passo, a Islândia foi guiada pela ciência, encabeçada por Gudnason e sua equipe. Os políticos sequer participavam dos boletins diários relacionados à pandemia.
A Islândia é liderada pela primeira-ministra Katrin Jakobsdottir, de 44 anos, desde 2017. Para ela, pandemia e política são duas palavras que não caminham juntas.
Em entrevista à BBC, ela diz que ficou entusiasmada em defender a testagem rigorosa, o rastreamento dos contatos e o isolamento social, em uma tentativa de poupar o país de lockdowns mais drásticos – o que, em grande medida, foi possível fazer.