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Por Redação O Sul | 16 de maio de 2020
Apontada como referência por analistas e dirigentes que relutam em aceitar medidas de isolamento social mais duras para conter a progressão da pandemia da Covid-19, entre eles o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, a Suécia é um dos poucos países em que cafés e restaurantes estão abertos, escolas para alunos abaixo de 16 anos funcionam e onde amigos e parentes ainda podem se reunir. Mas essa imagem de “normalidade controlada” frente ao novo coronavírus é algo que nem mesmo o governo quer levar adiante — pelo contrário.
“A vida não está correndo de maneira normal na Suécia”, afirmou o primeiro-ministro, o social-democrata Stefan Löfven, em uma tensa entrevista coletiva na sexta-feira (15).
Diante dos jornalistas, o premier rejeitou a ideia de que seu governo esteja adotando uma visão “branda” para enfrentar a pandemia, uma acusação reforçada pelos números.
Desde o surgimento do primeiro caso, em março, a Suécia registrou 3.674 mortes e quase 30 mil infecções. Em números absolutos, o país de pouco mais de 10 milhões de habitantes está distante de nações mais populosas como a Espanha, a Itália ou o Reino Unido, mas se situa entre os que registram o maior número de mortes para cada milhão de habitantes: 346,55.
Quando comparado a seus vizinhos escandinavos que têm modelos semelhantes de desenvolvimento social e adotaram medidas mais estritas de isolamento, a diferença salta aos olhos: na Dinamarca, são 11 mil casos e 543 mortes (92,63 a cada milhão de habitantes). Na Finlândia, 6 mil casos e 297 mortes (52,01 a cada milhão). Na Noruega, que já começa a retomar as atividades, 8 mil infecções e 232 mortes (43,6 por milhão).
Estratégia polêmica
Ao contrário da maior parte dos países, a Suécia manteve abertos estabelecimentos comerciais, ao mesmo tempo em que recomenda ações individuais de proteção, como o distanciamento de “um braço” entre as pessoas em locais fechados e dois metros nas ruas.
As autoridades ainda vetaram reuniões de mais de 50 pessoas, fecharam instituições de ensino para alunos de mais de 16 anos e pediram que viagens não essenciais fossem adiadas. Empresas incentivam seus empregados a trabalhar de casa, e qualquer pessoa que tiver sintomas parecidos com os da covid-19 precisa ficar em casa.
A política depende muito da noção de responsabilidade dos cidadãos, que estão ficando em casa por iniciativa própria. As ruas estão mais vazias, assim como os bares, restaurantes e mercados. O uso de máscaras não é obrigatório, mas elas estão cada vez mais visíveis nas cidades. Na prática, o país passa longe da normalidade sugerida na quinta-feira por Bolsonaro.
“Fundamentalmente, as medidas da Suécia diferem de outros países apenas em dois aspectos: não fechamos creches e escolas para crianças mais novas e não implementamos uma regulamentação que obrigue os cidadãos a permanecer em suas casas”, afirmou ao jornal O Globo a embaixadora da Suécia no Brasil, Johanna Brismar Skoog. “A população sueca confia nas autoridades públicas e acredita que elas agem em prol do interesse público. As autoridades também têm um alto nível de confiança nos cidadãos para seguir seus conselhos.”
Por trás dessa estratégia está o epidemiologista Anders Tegnell, ligado à Agência de Saúde Pública, o órgão responsável por emitir as recomendações ao público e que possui independência para adotar as medidas que achar adequadas — leia-se, sem interferência política.
Apesar de rejeitar publicamente a noção de “imunidade de rebanho”, que toma como princípio a ideia de que a população, ao ser exposta ao vírus, vai desenvolver imunidade a ele, Tegnell afirma que “já vê muitas pessoas imunes em Estocolmo”, e que isso terá um efeito positivo mais à frente. Não há confirmação científica de que pessoas que já tiveram a covid-19 estejam imunes a novas infecções — a Organização Mundial da Saúde diz que esse é um “conceito perigoso”.
O epidemiologista afirma que o fechamento completo de uma sociedade “põe mais estresse na economia”, e que o caminho adotado pela Suécia é “mais aceitável pelas pessoas em geral”. E, seguindo o discurso do governo, ressalta que as pessoas estão evitando o contato social por iniciativa própria.
“Há um alto nível de aderência às recomendações da Agência de Saúde Pública da Suécia, às vezes até maior do que nos países com bloqueios totais e obrigatórios. De acordo com uma pesquisa recente, 87% das pessoas com mais de 70 anos seguem as recomendações da Agência de Saúde Pública e se isolam, por exemplo”, afirmou a embaixadora Brismar Skoog.