Sexta-feira, 14 de novembro de 2025
Por Redação O Sul | 13 de novembro de 2025
Um tradutor que perdeu mais de um terço da renda mensal, uma designer que ficou sobrecarregada após a implementação da IA (inteligência artificial) e muitos relatos de queda de demanda. Essas são algumas das histórias reunidas no especial “O trabalho na era da IA”, sobre as mudanças que já aparecem na rotina dos trabalhadores, debate que ganhou força com um depoimento recente do CEO do Walmart, Doug McMillon, à Fortune. “Está muito claro que a inteligência artificial vai mudar literalmente todos os empregos”, afirmou McMillon, que lidera mais de 2 milhões de funcionários em todo o mundo e diz não conseguir pensar em uma única função que não será alterada pela IA.
Nesse contexto, uma pesquisa deste ano da Microsoft listou as 40 profissões com maior probabilidade de automatização. Intérpretes e tradutores lideram como os profissionais mais afetados; suporte ao cliente, telemarketing e áreas de TI como cientista de dados e desenvolvedores web também estão no ranking. “Toda tecnologia, quando chega, deixa alguém para trás”, diz o professor em inteligência artificial do Centro de Informática na Universidade Federal de Pernambuco, George Darmiton, que divide o impacto em quatro categorias: baixo, moderado, alto e profissões que ainda não existem. Os casos mais críticos, segundo ele, são as tarefas repetitivas, operacionais e o processamento de grandes volumes de dados, como atendimento ao cliente e linhas de montagem. “No (trabalho) que requer conexão e empatia com o humano, não tem perspectiva de a máquina ter algo nesse sentido”, diz.
No impacto moderado, há possibilidade de aumento de produtividade se o profissional se atualizar. Para Elisa Jardim, gerente da divisão de tecnologia na Robert Half, isso não significa entender a fundo o funcionamento da IA. A ideia é aprender a aplicá-la no dia a dia conforme a natureza do trabalho.
Áreas como direito, comunicação e produção de conteúdo estão nesse limiar, em que a requalificação profissional pode acarretar risco ou oportunidade. “O profissional que não conseguir trabalhar em conjunto com essas ferramentas vai perder espaço”, afirma Elisa. Já profissões que demandam criatividade, estratégia, habilidades sociais, comportamentais e emocionais tendem a ter baixo impacto. Psicólogo, cabeleireiro, assistente social, encanador, jardineiro e professor estão entre os perfis com menor risco.
Não há consenso sobre em quanto tempo a IA substituirá funções. Para o professor André Ponce de Carvalho, diretor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, a estimativa é de que a transformação seja mais rápida do que a popularização da computação, por exemplo. É exatamente essa aceleração que o preocupa. “Não vai dar tempo de se manter na profissão atual em alguns casos. Mesmo em áreas que não vão desaparecer, o perfil do trabalho vai mudar rápido”, diz o docente, que foi um dos únicos brasileiros a integrar o comitê responsável pelo relatório internacional de segurança em IA.
Tanto George Darmiton como André Carvalho destacam a falta do básico em letramento digital em escolas e universidades, a ausência de mão de obra qualificada em IA e a não competitividade do Brasil com empresas de IA estrangeiras para dizer que o País é vulnerável a essa tecnologia. “Nós usamos tecnologia de fora como se fosse uma commodity”, afirma Carvalho.
No médio e longo prazo, porém, Carvalho acredita que a reorganização do trabalho pode influenciar positivamente a carga horária. “Talvez no futuro tenhamos jornadas mais curtas. Isso pode reduzir o estresse e melhorar a qualidade de vida”, diz. Esse otimismo é compartilhado por Elisa Jardim, que vê a IA como um “complemento à atividade humana”. Porém, o principal responsável por treinamentos e atualização deve ser o próprio profissional. “Ignorar o movimento do mercado não é mais uma opção”, diz ela.
Além da necessidade de investir em certificações em IA e até em uma pós-graduação a depender da área de atuação, Elisa estima que a procura por aprimoramento em habilidades humanas e capacidade analítica deve aumentar. Nessa esteira, profissionais mais seniores, como os cargos executivos, serão mais disputados por demandar um papel estratégico.
“A IA não vai acabar com os profissionais de medicina e direito, por exemplo, mas vai elevar o sarrafo. Só os profissionais de ponta vão continuar no mercado”, diz Carvalho. Segundo ele, de duas uma: ou os mais frágeis ao avanço da IA se atualizam para se reposicionar no mercado ou serão substituídos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.