Sábado, 08 de novembro de 2025
Por Redação O Sul | 28 de fevereiro de 2020
Ao perder a filha Elis menos de meia hora após o nascimento, em 16 de janeiro último, a bióloga e professora Natália Mundim Torres, de Uberlândia (MG), tentou doar o seu leite, mas a doação foi recusada.
As funcionárias do banco de leite materno da cidade alegaram que apenas mães amamentando, ou seja, com bebês vivos, estariam aptas.
Inconformada, Natália passou a pesquisar na internet sobre o assunto e encontrou uma reportagem em que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) dizia que não havia proibição a esse tipo de doação.
A partir dali, começou uma corrida para fazer valer o seu desejo. Obteve parecer técnico favorável da agência.
Desde então, a bióloga já ordenhou mais de cinco litros de leite. Cada litro pode alimentar até dez recém-nascidos por dia.
“Tive a felicidade de amamentar os meus gêmeos, Beatriz e Fernando, de cinco anos de idade, por quase quatro anos. Já naquela época, senti muita vontade de doar o meu leite, mas tudo o que eu produzia era consumido por eles.
Cheguei a doar quando eles tinham pouco mais de dois anos, mas o volume que conseguia ordenhar era muito pequeno. Fui apenas algumas vezes ao banco de leite da cidade onde moro, Uberlândia (MG).
Em maio de 2019, para minha surpresa e alegria, descobri que estava grávida novamente. Mas no início de outubro recebemos o diagnóstico de que o bebê tinha uma síndrome cromossômica extremamente grave (Patau), cujo prognóstico era o pior possível.
Nossa filha, Elis, poderia nem chegar ao final da gestação, e se chegasse, poderia viver por apenas poucas horas ou dias.
Elis nasceu no dia 16 de janeiro de 2020, depois de 39 semanas, cheia de dobrinhas e bem bochechuda, pesando quase 3,5 kg. O parto foi natural, com a melhor equipe que poderia existir, de forma muito intensa e respeitosa.
Nossa pequena ficou em meu colo todo o tempo de sua breve vida, menos de 30 minutos, momentos que nunca mais esquecerei. Sua partida foi serena e leve, não houve desespero nem sofrimento, e sim acolhimento e aceitação.
Cerca de três dias depois do nascimento da Elis, o meu leite desceu, e, de forma natural e óbvia para mim, fui ao banco de leite para doá-lo.
Fui surpreendida com uma negativa das funcionárias, dizendo que havia uma proibição por parte da Anvisa para receberem doações nesses casos de óbito do bebê. Como estava com os peitos muito cheios e doloridos, autorizaram a ordenha do meu leite naquele dia e a coordenadora, que não estava presente no momento, ficou de me retornar depois.
Pesquisei de imediato sobre o tema e encontrei uma reportagem da Folha em que outras mães que haviam perdido os bebês também tinham sido impedidas de doar o leite. Na matéria, a Anvisa dizia que não havia proibição para a doação.
Iniciei então uma mobilização de minha rede de contatos, procurei a Anvisa, enquanto retirava e congelava em casa o meu leite. A coordenadora do banco de leite me ligou explicando que o entendimento da regulamentação é que para ser doadora, a mulher precisa estar com seu bebê internado em UTI ou amamentando e produzindo um excedente, e que dessa forma, eu não me enquadraria como tal.
Inconformada e sabendo de que outras mulheres enfrentaram situação semelhante, optei por acionar o Ministério Público, que se mostrou bastante sensibilizado com o caso. Logo depois, a Anvisa também enviou um parecer técnico dizendo que não havia veto para a doação.
Em reunião com a coordenadora do banco de leite cerca de uma semana depois, ela disse que aceitariam minha doação, mas que eu teria que fazer as ordenhas no próprio banco de leite, para que pudessem acompanhar de perto as condições das minhas mamas garantindo que não haveria nenhum problema.
Fiquei muito satisfeita e feliz de poder ajudar outros bebês. Toda vez que vou ao banco do leite, me isolo mentalmente e faço uma conexão com a Elis, agradecendo a ela essa possibilidade. É uma energia muito boa.
Já teve uma situação lá no banco de uma mãe perguntar sobre o meu bebê e ter ficado muito constrangida quando falei que minha Elis tinha morrido. Faço questão de deixar claro que eu estou bem, que já sabia do diagnóstico da minha filha desde a gestação e que já amamentei meus gêmeos por quatro anos.
Se a perda da Elis tivesse sido inesperada, se eu não tivesse tido tempo para me preparar para a despedida, talvez não estivesse tão pronta e segura para a doação.”