Terça-feira, 17 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 28 de novembro de 2022
“A igreja não é nem de direita nem de esquerda. Ela é do alto”. Com essa mensagem, o líder das Assembleias de Deus no Rio de Janeiro, pastor Celso Brasil, iniciou mais uma roda de conversa e oração de um grupo de evangélicos que se autointitulou Ministério da Reconciliação.
Com uma Bíblia debaixo do braço, ele convocou os cerca de 30 participantes — que se reuniram na histórica igreja da denominação em São Cristóvão, na Zona Norte do Rio — a superarem suas diferenças ideológicas.
“Sabemos que as pessoas ficaram exaltadas em função do pleito, mas já cumprimos nossa missão como cidadãos e brasileiros. Agora estamos aqui com esse objetivo: Cristo nos confiou a palavra da reconciliação, e dela somos embaixadores”, pregou o pastor Celso.
O grupo que quer pacificar a relação de pastores e fiéis rachados por divergências ideológicas durante a campanha abre um flanco na igreja que apoiou ostensivamente o presidente Jair Bolsonaro (PL) no pleito. Um de seus líderes mais proeminentes, o pastor Silas Malafaia segue insuflando o acirramento político do País ao atacar o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, e incentivar atos golpistas.
Por outro lado, outra importante referência da denominação — são várias ramificações —, o bispo Abner Ferreira vem orientando seu público nos cultos a não entrar mais em discussões sobre o resultado da disputa que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como presidente.
As pesquisas de intenção de voto para o segundo turno apontaram o segmento evangélico como uma das bases bolsonaristas no País. Em levantamentos do Datafolha, por exemplo, o atual chefe do Executivo marcou em torno de 60% , enquanto o então candidato do PT ficou no patamar de 30% nesse público.
No Ministério da Reconciliação formado no Rio, participam em maior número os assembleianos, mas evangélicos de outras igrejas também são incentivados a comparecer.
Nas primeiras reuniões, a grande maioria presente era de apoiadores de Bolsonaro — havia ainda alguns fiéis que se definem como de “centro”. Mesmo em minoria, a apoiadora de Lula e missionária Joana Raphael garante que é bem recebida no espaço.
“O Reino de Deus é muito maior do que as disputas terrenas. Quando a gente chegar no céu, Deus não vai perguntar quem é Bolsonaro e quem é Lula”, apontou.
Apesar de achar que dificilmente a maioria de seus irmãos de igreja passará a apoiar o governo do PT — por conta do perfil conservador desse público em relação às pautas de costumes —, ela acredita que mesmo os fiéis mais radicalizados vão orar em prol do futuro presidente. E a fé da missionária encontra eco nos pastores bolsonaristas.
Sem pestanejar, o pastor Celso, que é apoiador do candidato derrotado, garante que vai rezar pelo futuro chefe do executivo. O mesmo diz o pastor e vereador de Niterói Fabiano Gonçalves ao puxar uma prece durante o encontro em São Cristóvão.
“Vamos orar pelo País. A despeito de quem está no governo. Toda autoridade é constituída com a permissão do Senhor”, discursou Gonçalves com os olhos fechados, enquanto o grupo levantava as mãos em direção aos céus.
Um dos articuladores dos encontros é o antropólogo e fundador da ONG Viva Rio, Rubem César Fernandes. Atuando como espécie de mediador, ele busca dialogar com os religiosos sobre medos difundidos entre eles como o de que a volta do PT representaria a instauração do “comunismo” no Brasil.
Apesar da disposição de baixar a temperatura e aceitar o armistício, alguns evangélicos bolsonaristas ainda se mostram desconfiados com as intenções “do outro lado”.
“O comunismo pode até ter acabado no mundo. Mas o que mais se produz hoje é literatura marxista. Precisamos seguir batalhando porque nossa luta será cada vez mais apertada”, retrucou um fiel no encontro.
Enquanto os pastores discursavam no microfone, um dos fiéis checava mensagens num grupo de WhatsApp e comentava uma postagem com ataques a Alexandre de Moraes. Em uma das falas mais aclamadas pelo grupo, o pastor João Neres resumiu o sentimento predominante:
“Não vamos ser hipócritas. A ideologia propagada pela esquerda levou ao nosso despertar e a uma eleição como nunca houve nesse país. Mas a Bíblia diz que o sangue de Cristo reconciliou judeus e árabes. O sangue de Cristo reconcilia vascaíno e flamenguista, os piores inimigos.”