Terça-feira, 29 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 12 de maio de 2019
Elas passaram da vergonha à libertação. Cinco meses depois das primeiras denúncias, as mulheres que decidiram enfrentar João Teixeira de Faria, o médium João de Deus, relataram como o maior caso de abuso sexual no Brasil impactou suas vidas. Os relatos ressaltam a importância da denúncia às autoridades: não apenas pelo aspecto judicial mas também para o processo psicológico de superação do trauma causado pelo ato criminoso.
Depois dos primeiros testemunhos, dados ao jornal e ao programa “Conversa com Bial”, centenas de mulheres procuraram o Ministério Público para narrar histórias terrivelmente similares. Hoje sob regime de prisão preventiva, o médium que atraiu celebridades como Oprah Winfrey e levava multidões à Casa de Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia, Goiás, segue negando as acusações.
Das 12 mulheres que revelaram suas histórias em dezembro, sete conversaram novamente com a reportagem do jornal O Globo. As reações não foram parecidas. Há quem tenha, desde então, passado a ler avidamente todas as notícias sobre o caso. Outras revelam que tentam evitar o assunto a qualquer custo. Há quem tenha aproveitado a divulgação do escândalo na imprensa para contar aos mais próximos o abuso que sofreram. E quem, até hoje, permanece no anonimato, sem ter dividido o drama pessoal com familiares.
Essas mulheres, que denunciaram de modo detalhado os abusos que sofreram nas mãos do mesmo líder religioso, entre 2010 e 2018, lidaram com o trauma de forma singular. Mas repetem a mesma sentença: a publicação das denúncias teve, nelas, um efeito libertador. Todas afirmam que tinham de lidar com sentimentos de vergonha e culpa por terem sido abusadas, mas, com a multiplicação de casos vindos à tona, tiraram “um peso das costas”.
As entrevistadas se disseram surpresas com o fato de João de Deus ter sido preso. O líder religioso se entregou às autoridades uma semana após as denúncias serem publicadas. Em março, ele conseguiu autorização para internação em um hospital, mas segue sob prisão preventiva até o julgamento.
A força-tarefa do MP de Goiás ainda investiga o caso. O grupo de promotores tornou-se referência para a ministra Damares Alves, da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que se reuniu com a equipe em fevereiro e usa o caso como exemplo para defender mudança na legislação a fim de estabelecer penalidade maior a líderes religiosos acusados de abuso sexual.
As vítimas de João de Deus lidam com o trauma de formas diferentes, mas em um ponto elas concordam: que a publicação das denúncias para o mundo teve um efeito libertador. Todas afirmam que antes carregavam vergonha e culpa por terem sido abusadas, mas, com os inúmeros casos vindo à tona, elas descrevem “um peso saindo das costas”.
“Essa culpa é o reflexo do machismo estrutural da nossa sociedade, segundo o qual a mulher é sempre colocada como a provocadora, aquela que fez o homem cair em tentação, ainda mais um homem santo”, afirma Jureuda Guerra, conselheira do Conselho Federal de Psicologia. “E a sociedade nega o lugar de vítima a essa mulher até mesmo quando ela pede uma reparação. Porque nos poucos casos em que elas pedem indenização, mesmo que seja para pagar a terapia e lidar com o trauma, ela é colocada no lugar da interesseira.”
Em Abadiânia, da Casa de Dom Inácio segue aberta, mas o movimento caiu vertiginosamente. A cidade hoje está passando por análises econômicas para encontrar outras fontes de investimento que não dependam da casa religiosa. Sobre a Casa, as vítimas se dividem entre as que desejam as portas fechadas e as que ainda conseguem ver “luz” no local.