Quinta-feira, 01 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 2 de outubro de 2021
Ao entrar pela primeira vez o salão plenário do Bundestag, o Parlamento alemão, Armand Zorn sente humildade. “É uma responsabilidade especial que eu tenho agora, e de que estou muito ciente”, diz o político do Partido Social-Democrata (SPD).
Zorn, que nasceu em Camarões e chegou à Alemanha aos 12 anos, é um dos 735 deputados que acabam de conquistar um assento no órgão legislativo federal. Ele comporá um Parlamento que, após as eleições gerais do último domingo (26), ficou mais diversificado.
“Ontem tivemos a primeira reunião de bancada”, contou. “Deu para ver uma diversidade incrível, em relação à origem, mas também ao gênero, às diferentes biografias e profissões. Foi muito bonito de ver.”
Com origem estrangeira, Zorn está em boa companhia, para além das fronteiras partidárias. Uma pesquisa da agência Mediendienst Integration revelou que pelo menos 83 deputados recém-eleitos têm histórico de imigração: ou eles mesmos ou seus pais não nasceram na Alemanha.
“Nós constatamos uma tendência positiva em relação à diversidade se manifestando no Bundestag”, comenta Deniz Nergiz, diretora-gerente do Conselho Federal de Imigração e Integração (BZI).
“Mas o que é ainda muito mais positivo, é que agora também se criou mais diversidade dentro do grupo”, disse Nergiz. “Por exemplo, se vê que agora há mais políticas mulheres afro-alemãs e de origem turca.”
Esquerda lidera
De fato, pelo menos 11,3% dos deputados federais recém-eleitos têm origem estrangeira, contra 8,2% na legislatura anterior.
Segundo a Mediendienst Integration, o partido A Esquerda é que ostenta a proporção mais alta, 28,2%, enquanto a bancada conservadora da União Democrata Cristã e União Social Cristã (CDU/CSU), da chefe de governo Angela Merkel, fica em apenas 4,6%.
Os social-democratas estão em segundo lugar: 17% dos colegas de Zorn não são alemães de nascença.
Ele não se espanta com o fato: “Acho, sim, que há um espírito da época. Todos os partidos precisam se abrir. Ainda não estamos lá onde devíamos estar, mas acredito que os partidos entenderam isso.”
Deniz Nergiz, cuja tese de doutorado teve como tema as políticas e políticos de ascendência estrangeira, confirma: “Os partidos criaram mais espaço para quem tem histórico de imigração. E desta vez não só os apresentaram como candidatos à eleição direta, mas também os colocaram nas listas estaduais em posições promissoras, o que naturalmente facilitou o ingresso no Parlamento.”
No complexo sistema eleitoral alemão, os eleitores votam duas vezes: primeiro diretamente num candidato para representar seu distrito eleitoral (são 299 em todo o país), e depois num partido, que por sua vez elabora uma lista de candidatos aos quais serão distribuídos esses votos.
Nos últimos anos, os candidatos de cidadania alemã adquirida posteriormente costumavam ficar nos últimos lugares das listas estaduais, com poucas perspectivas de ocupar um assento parlamentar. Mas os tempos mudaram.
Jornada
Zorn enfrentou uma campanha eleitoral longa e trabalhosa, viajou muito em sua área eleitoral, apresentou-se de porta em porta. O esforço valeu a pena: em sua zona, Frankfurt I, venceu a eleição direta, derrotando um rival da CDU. O mesmo ocorreu com o verde Omid Nouripour, na zona eleitoral Frankfurt II.
“Para Frankfurt e também para a Alemanha, é um bom sinal. Nouripour veio do Irã para cá com 13 anos, eu vim de Camarões aos 12”, conta Zorn.
“Nós dois termos conseguido o mandato direto em 2021, acho, nos deixa muito orgulhosos, e também humildes.” O fato o faz também sentir-se “confiante quanto ao futuro, pois mostra que a nossa sociedade é diversificada, onde o que conta não é de onde você veio, mas para onde vai”.
O social-democrata teve muitas vivências positivas nos últimos anos. “Também achei muito bacana que na campanha a cor da minha pele não estava em foco. A questão não era se eu tenho pele escura, se sou negro, mas sim a minha personalidade, a minha competência no campo da digitalização, da política econômica e financeira. Fui muito mais abordado sobre o que eu queria implementar.”
É fundamental não se perceber os políticos de origem migratória apenas como casos de exceção, frisa a socióloga Nergiz, mas sim como “políticas e políticos alemães perfeitamente normais, com competências em setores diversos”.
Ao mesmo tempo, eles contribuem para que temas ligados à migração sejam tratados de uma outra maneira no Bundestag e despertem mais atenção. Os políticos vão “provavelmente falar sobre a situação num abrigo para requerentes de asilo de modo diferente com um deputado que talvez tenha crescido num abrigo”, exemplifica Nergiz.