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Política ‘Aventura jurídica’ e ‘licença para matar’: o que dizem juristas sobre excludente de ilicitude em projeto de Bolsonaro

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"Legislação penal já prevê a hipótese de legítima defesa", argumenta professor de Direito da USP.

Foto: Agência Brasil

O presidente Jair Bolsonaro enviou ao Congresso um projeto de lei que determina as normas que valem para militares e membros de forças de segurança quando estiverem atuando em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

O texto diz, entre outras providências, que estará presumida a “legítima defesa” em algumas situações de conflito envolvendo policiais e militares.

O anúncio do projeto foi feito durante o lançamento do Aliança pelo Brasil, partido que o presidente quer criar após sair do PSL.

Desde a campanha eleitoral, Bolsonaro tem dito que pretende mudar a legislação para que policiais e militares não sejam punidos por suas ações — mesmo quando elas resultam em mortes.

No início do ano, Sergio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública, propôs uma mudança no Código Penal, criando regras mais amplas para o chamado “excludente de ilicitude”. A proposta aumentava as hipóteses nas quais policiais não seriam punidos caso matassem alguém durante o trabalho — não apenas em ações de GLO.

No texto de Moro, o agente não seria punido, por exemplo, se provasse que agiu movido por “medo, surpresa ou violenta emoção”. Porém, o projeto ainda não foi votado no Congresso.

Agora, Bolsonaro pretende flexibilizar as hipóteses de legítima defesa nessas operações, como a que ocorreu no Rio de Janeiro no final do ano passado, quando o Exército assumiu o controle da Segurança Pública no Estado.

Mas o que seria a “presunção de legítima defesa”? Quais as consequências jurídicas que esse projeto poderia ter no futuro, caso aprovado? A BBC News Brasil ouviu professores de Direito para entender como esse aspecto da proposta se encaixaria na legislação brasileira.

Legítima defesa e o projeto
O Artigo 25 do Código Penal já isenta de culpa o cidadão — inclusive o policial — que age “usando moderadamente os meios necessários” para defender-se de “agressão, atual ou iminente”, a si ou a outra pessoa. Isso significa que, em caso de um agressão, o policial pode agir em defesa própria ou de terceiros no momento da ação, ou momentos antes da possibilidade dela ocorrer.

“No caso de um sequestro de um ônibus, por exemplo, se houver risco de vida para os passageiros, o policial poderia matar o agressor. Ou em um confronto em que ele esteja em risco de morrer”, explica Mauricio Dieter, professor de Criminologia e Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

“A legítima defesa é um conceito muito sedimentado na doutrina penal. Mas ela não dá carta branca para a pessoa agir de maneira desproporcional à agressão que ela está sofrendo”, afirma.

Dieter cita um exemplo hipotético do que seria uma ação excessiva. “Digamos que alguém ameace te dar um soco, mas você tem um fuzil nas mãos. Seria um excesso se você atirasse na pessoa e a matasse, porque sua reação não é proporcional à ameaça que sofreu. Por isso, a lei fala em uso moderado dos meios necessários”, explica.

O defensor público Gustavo Junqueira, professor de Direito Penal da PUC-SP, explica que a investigação e o processo penal analisam, caso a caso, se houve excesso ou não no uso da força.

“Se houve excesso intencional, a pessoa responde por um crime doloso. Se ela se excedeu, mas não houve intenção, responde por crime culposo. Há também casos em que a pessoa se excede, mas sem intenção ou culpa. Chamamos esses casos de excesso de exculpante, e a pessoa não responde por crime”, diz.

O novo texto proposto por Bolsonaro traz as razões pelas quais, na visão do governo, justificam-se mudanças sobre as regras de conduta de militares e agentes de segurança em operações de GLO.

“O texto se concentra sobre a proteção do direito à vida”, diz o documento. “Para tanto, implementam-se hipóteses de presunção de legítima defesa e de injusta agressão, que buscam caracterizar a legítima defesa nos casos em que os militares e agentes atuarem contra condutas que resultam em risco à vida deles ou de outrem.”

No projeto, o governo considera injusta agressão as seguintes situações de conflito: “atos de terrorismo; conduta capaz de gerar morte ou lesão corporal; restringir a liberdade da vítima, mediante violência ou grave ameaça; ou portar ou utilizar ostensivamente arma de fogo”.

Na prática, segundo especialistas, a aprovação do projeto poderia facilitar o arquivamento de processos de casos em que policiais se envolveram em mortes durante ações no âmbito de GLO.

Caso ele seja aprovado pelo Congresso, um caso de morte em decorrência de ação policial poderia ser arquivado pelo Ministério Público sem a necessidade da análise da Justiça, apenas com base na “presunção de legítima defesa”.

Em tese, hoje o arquivamento já pode ocorrer se as circunstâncias de legítima defesa forem muito claras e óbvias, diz Dieter.

Para Junqueira, o projeto pode acabar com análise dos casos individualmente. “O governo quer suprimir a análise do meio necessário, acabar com a necessidade de ponderação caso a caso. Ou seja, a ideia é facilitar o arquivamento e criar uma dificuldade maior para a investigação”, opina Junqueira.

Para Alamiro Velludo Salvador Netto, professor de Direito Penal da USP, “o Código Penal nunca excluiu o policial”. “Nunca houve uma exclusão de policiais de valer-se da legítima defesa, isso é um discurso falso. Como vale para o particular, vale para o policial também”, afirma.

‘Licença para homicídios’
Segundo a professora Carolina Costa Ferreira, caso seja aprovado, o projeto pode ser uma espécie de “licença para homicídios”.

“Em essência, esse ponto é contraditório porque, na medida em que se discute a excludente de ilicitude no caso de legítima defesa como garantia do direto à vida, na verdade (o texto) está concedendo licença para prática de homicídios sem a investigação adequada”, diz.

“Você presume que a atuação de militares ou policiais em injusta agressão possa justificar qualquer tipo de ato, ainda que seja muito mais grave do que aquele do qual foram alvo.”

Mauricio Dieter, da USP, também critica duramente o projeto: “É uma aventura jurídica, uma bobagem autoritária. É uma tentativa de criar uma licença para matar em um país que já tem um índice altíssimo de mortes em decorrência de ações policiais. Por que esse medo do júri? Se o policial agiu legitimamente, ele vai ser absolvido”, diz.

Já Alamiro Velludo Salvador Netto, também da USP, acredita que a flexibilização do conceito de legítima defesa pode “incentivar o uso da violência desmedida, levando a justiçamentos”.

“É óbvio que o policial tem o direito de reagir se colocado em risco, ninguém discute isso. Mas, se eu tenho uma legítima defesa que tem muitos critérios, isso pode ser interpretado, tanto na dinâmica dos tribunais quanto no cotidiano policial, como um afrouxamento das ações em que ela pode ser utilizada”, diz.

Para Costa, o ponto proposto pelo governo inverte o princípio da presunção de inocência, prevista na Constituição.

“A Carta estabelece que ninguém deve ser considerado culpado até a condenação transitar em julgado. Não se pode antecipar a pena sem processo. O que está acontecendo nesse caso é uma anulação da possibilidade de investigação criminal da conduta desses militares e agentes de segurança. Isso pode gerar injustiças. Só 7% dos homicídios são investigados no Brasil. O projeto vai no sentido de ampliar essa impunidade”, diz.

O que é uma GLO?
As operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ocorrem quando os recursos das forças de segurança pública não são mais capazes de oferecer segurança, em situações graves de perturbação da ordem, e só podem ser convocadas pelo presidente da República.

Em operações como essas, militares agem dentro de uma área delimitada e por um tempo determinado.

Operações de GLO são previstas desde a Constituição de 1988, mas foram regulamentadas no formato atual por uma lei complementar de 1999, no governo Fernando Henrique Cardoso.

De acordo com a lei, devem ser utilizadas quando estiverem “esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”.

Segundo o Ministério da Defesa, apesar do emprego das Forças Armadas, a GLO é uma operação do tipo de “não guerra”, por não envolver combate direto.

Ela permite, no entanto, o uso da força caso seja necessário. Essas operações são autorizadas quando “agentes de perturbação da ordem” colocam em risco a integridade da população e o funcionamento das instituições.

Exército, Marinha e Aeronáutica podem ser usados de forma conjunta, ou individualmente nas operações, que ficam sob coordenação do Ministro da Defesa.

“A variedade de situações que poderão ocorrer exigirão, em cada caso, um cuidadoso estudo das condicionantes para o emprego das Forças Armadas”, aponta o manual de implantação das GLO.

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