Sábado, 05 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 29 de junho de 2020
Sem um plano nacional definido para enfrentar a Covid-19, o Brasil está “empurrando com a barriga” o combate à doença, o que prolonga a epidemia no País, acredita o biólogo e colunista do Estadão Fernando Reinach. Às vésperas de lançar seu terceiro livro, “A Chegada do Novo Coronavírus ao Brasil” (Companhia das Letras), com 27 colunas publicadas sobre a pandemia, ele resume, de forma crítica, a estratégia do País.
1) Em uma de suas primeiras colunas no período, o senhor falava: ‘Estamos perdendo tempo’. Isso foi no início da pandemia, no começo do ano. Agora, quase em julho, o senhor ainda acha que o Brasil perdeu tempo?
Acho que sim. Tudo é lento demais, até hoje as coisas não aconteceram. Nas minhas primeiras colunas, uma das primeiras era “Brincando com fogo” (dizendo) que ninguém estava ligando para nada no Brasil e que a coisa ia pegar fogo. Depois, teve colunas dizendo que precisava começar a testagem; até hoje, a gente não tem testagem. Depois, que iam faltar respiradores, e aí faltaram respiradores. Na verdade, as colunas eram resultado de eu acompanhar muito de perto o que estava acontecendo nos outros países, não é? E ver como o Brasil estava se mexendo. Até hoje, a gente não tem controle da pandemia.
2) O que poderia ter sido feito?
Teriam de ter implantado medidas de contenção. Teria de ter tido um lockdown (bloqueio total) muito mais curto e muito mais rígido. O isolamento foi muito fraco. O que aconteceu foi que, com esse lockdown meia-boca, os casos foram subindo, só mais lentamente, as taxas de propagação foram aumentando. E a gente nunca conseguiu nem chegar ao platô, nem diminuir casos. O governo também não aguentou a crise econômica causada pelo lockdown. Daí resolveram abrir com a curva em pleno crescimento.
3) A falta de entrosamento das autoridades federais e locais prejudicou as ações anti-covid?
Tinha de ter um discurso unificado, para garantir que, de uma certa maneira, o País todo tivesse uma estratégia. E aí, quando perdeu essa coordenação, cada Estado tomou as suas decisões, e até hoje cada Estado está decidindo sozinho. Que eles têm de ter uma certa autonomia, acho que faz sentido, mas tem de ter uma central de informações.
4) A pressa para voltar ao normal pode piorar as coisas?
Sim, porque não teve uma medida radical de contenção logo no começo. Você pega a Itália. Trinta dias, eles estavam no caos. E mais um mês e meio, dois, tinha voltado ao normal. Quer dizer, o ciclo todo levou três, quatro meses. O nosso está crescendo devagar. E não tem nenhum sinal de que estamos chegando ao pico da doença.
5) Nosso caso é único?
Olha, o nosso caso é uma versão piorada do que aconteceu nos Estados Unidos. Lá chegou ao pico, abaixou, mas já voltou a níveis que são iguais ao do pico. O nosso nem deixamos chegar ao pico. Já abrimos antes.
6) O que esperar então para as próximas semanas?
Não tem nenhuma perspectiva de acontecer nada. Não tem nenhuma medida sendo tomada hoje com chance de mudar o crescimento no próximo mês. Basicamente, se não fizerem nada, as escolas não abrirão em setembro. Teriam de estar tomando medidas hoje para ter resultado na 2ª metade de julho, para em agosto o nível estar baixo e abrir em setembro. Sem fazer nada, a coisa não se resolve.
7) E nos próximos meses? Teremos uma vacina?
Estão começando a fase três, de ensaios clínicos. Só essa fase pode levar três meses, seis meses, nove meses. Aí vamos supor que se aprove a vacina daqui a nove meses. Aí tem de começar a produzir. É só para o ano que vem. A questão toda é como se administra o problema até chegar a vacina. A estratégia de todos os países é a seguinte: olha, vamos diminuir a contaminação a um nível bem baixo, que permita fazer contact tracing (rastreamento de contatos), com testagem bem organizada. A nossa estratégia está sendo a seguinte: olha, vou empurrando com a barriga. Fazendo uma coisinha aqui, outra ali, esperando que alguma boa notícia salve o dia. Mas não tem perspectiva. Basicamente, não tem plano.