Sábado, 18 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 10 de dezembro de 2021
Condenado a onze anos de prisão no último dia 3 pela 1ª Vara Federal de Guarulhos (SP), o russo Kirill Sergeevich Kravchenko, de 36 anos, morador de São Petersburgo, carregava com ele mais do que os 320 animais silvestres brasileiros transportados e armazenados ilegalmente, que tentava esconder quando foi preso em junho, muito longe de casa, a bordo de um ônibus no município de Seropédica, no Rio de Janeiro. Considerado pela Interpol (a polícia internacional) como um dos principais traficantes de espécies raras e ameaçadas do mundo, Kirill liderava uma rede de venda ilegal que, acreditam investigadores e especialistas, não apenas movimentava muito dinheiro, como colocava em risco habitats inteiros e ameaçava, inclusive, a saúde global, com a chance de surgimento de pragas, como HIV, ebola e tipos de coronavírus.
O foco de atuação no Brasil, um dos biomas mais ricos e cobiçados por criminosos no mundo, não é exclusividade da quadrilha e traz luz a dados que são considerados preocupantes. De acordo com a Polícia Rodoviária Federal, que faz as principais abordagens pelas estradas brasileiras, e inclusive participou da ação que prendeu Kravchenko, só entre 2019 e 2021, foram mais de 50 mil animais apreendidos com biopiratas. Em sua maioria, aves, crustáceos e répteis. Além disso, um levantamento da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas) aponta que, todos os anos, 38 milhões de animais são retirados da natureza em solo brasileiro, um mercado ilegal que movimenta US$ 2 bilhões de dólares ao ano, e já se tornou a terceira maior atividade ilegal do mundo, atrás apenas do tráfico de armas e de drogas.
“É uma prisão que consideramos como exemplar por parte dos órgãos envolvidos, assim como a condenação a 11 anos de reclusão. A juíza soube aproveitar muito bem a legislação e condená-lo também por outros crimes, como associação criminosa, por exemplo. Raríssimas vezes você teve no Brasil um caso tão eficaz de aplicação da lei”, comenta Dener Giovanini, coordenador-geral do Renctas, que acrescenta que o russo é um dos maiores contrabandistas de aracnídeos do mundo. “Ele é uma peça muito importante no tráfico internacional de aranhas, por exemplo. Ele tem conexões com vários países, capturando e fazendo transporte ilegal dessas espécies. Agora, as autoridades têm um material apreendido com ele que é muito bom para ajudar a desarticular essa rede global.”
Kirill, segundo denúncia do Ministério Público Federal, visitava com frequência o Brasil, e já havia sido detido em janeiro deste ano no Terminal 3 do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos. Na ocasião, tentou embarcar para a Rússia com 50 lagartos de três espécies, uma aranha adulta com 50 filhotes, 20 sapos de quatro espécies diferentes e 100 invertebrados de várias espécies. Ele passou a responder em liberdade por exportar mercadoria proibida e entrou no radar da Polícia Federal, que recolheu seu passaporte e começou a monitorá-lo. Foi numa tentativa de fuga, em junho, que ele, que já era observado pelos investigadores, foi preso de novo, com 320 animais escondidos em bagagens, num ônibus em Seropédica (RJ), que tinha como o destino Foz do Iguaçu, no Paraná.
Ao ser preso, Kracvhenko disse em interrogatório que é biólogo, recebe um salário de US$ 700 dólares trabalhando num laboratório de remédios veterinários em São Petersburgo, tem como hobby coletar animais, sobretudo lagartos, e negou que os venderia. Pelo contrário, afirmou que estava levando-os à Russia para mantê-los e reproduzi-los, o que foi imediatamente descartado pelas evidências – além da grande quantidade de espécies raras, em seu celular foram encontradas anotações e trocas de mensagem que comprovavam negociações com pessoas ao redor do mundo.
Em depoimento, por exemplo, um analista do Ibama que participou da perícia após a prisão do russo narra que vários dos bichinhos estavam em potes. Pelo menos uma espécie estava morta e outras tantas estavam mutiladas. Uma nota técnica, anexada à sentença do julgamento do russo, dá conta de que, dentre os animais apreendidos, um realmente já estava morto, mas outros 74 morreram em menos de uma semana após terem sido resgatados.
As investigações revelaram que o pirata contava com a ajuda da ex-mulher, Ekaterina Burukhina, e também da atual esposa, Ekaterina Kravchenko, com quem tem uma filha de dois anos, para que os animais capturados em diversas áreas do mundo fossem comercializados. Elas anunciavam os bichos on-line, em sites e em páginas de redes sociais. A polícia identificou ainda um terceiro nome, Giacamo Ceccarelli, o qual investigadores ainda não descobriram se trata-se de um cúmplice ou de um pseudônimo de Kirill.
Há evidências de que o grupo tenha agido em vários países, como Alemanha, República Tcheca, Finlândia, Bielo-Rússia, Madagascar, Emirados Árabes Unidos, África do Sul, Nova Zelândia, Austrália, Japão, México e outros do sudeste asiático. Kirill sempre era a figura que ia a campo, retirar pessoalmente os animais da natureza, inclusive de reservas ecológicas. Sua ação já era monitorada, por exemplo, na Austrália e na Nova Zelândia. As informações são do jornal O Globo.