Domingo, 04 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 9 de julho de 2021
O Ministério das Relações Exteriores da Bolívia divulgou na quinta-feira documentos que mostram que o governo da Argentina, sob o presidente Mauricio Macri (2015-2019), forneceu munição usada para conter protestos contra o governo interino de Jeanine Añez em seus primeiros dias, em 2019. O governo boliviano acusa o país vizinho de ter colaborado com dois eventos que deixaram dezenas de mortos e feridos e que a Corte Interamericana de Direitos Humanos considera como massacres.
Em entrevista coletiva, o chanceler boliviano, Rogelio Mayta, apresentou um ofício datado de 13 de novembro, três dias após a renúncia sob pressão de militares de Evo Morales, no qual o general militar boliviano Jorge Gonzalo Terceros, então chefe da Força Aérea da Bolívia, agradece ao então embaixador da Argentina, Normando Alvarez García. A carta oficializa a entrega de 40 mil cartuchos de balas de borracha de calibre 12/70, e também destaca a entrega de granadas e bombas de gás lacrimogêneo.
O governo sugere que os equipamentos foram usados nos massacres de Sacaba e Senkata, nos quais mais de 20 apoiadores desarmados de Morales foram mortos a tiros.
“A Argentina, presidida por Mauricio Macri, deu armas letais às Forças Armadas da Bolívia que reprimiram os protestos sociais em novembro de 2019. Em 13 de novembro, [os argentinos] receberam agradecimentos. No dia 15 de novembro, dois dias depois, ocorreu o massacre de Sacaba. Poucos dias depois, 19 de novembro, o massacre em Senkata foi realizado”, disse Mayta. “Estamos indignados porque houve um governo estrangeiro que conspirou com a prática de graves abusos dos direitos humanos.”
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, de esquerda e rival de Macri, pediu desculpas ao governo e ao povo da Bolívia pela entrega do carregamento de munição contra distúrbios. “Foi constatado que nosso país enviou uma remessa de material que só pode ser interpretada como um reforço da capacidade de ação das forças sediciosas contra a população boliviana naquela época”, disse ele em carta dirigida ao presidente da Bolívia, Luis Arce.
“Eu me dirijo a você com dor e vergonha”, acrescentou Fernández, que já qualificou a queda de Morales como um golpe. “Foi uma colaboração decidida pelo governo do então presidente Mauricio Macri com a repressão militar e policial contra aqueles que defendiam a ordem institucional de seu país.”
Mayta denunciou “uma coordenação internacional para reprimir o povo boliviano”, que comparou com o Plano Condor realizado pelas ditaduras militares latino-americanas nos anos 1970.
Quando Añez assumiu o cargo, em 12 de novembro de 2019, a polícia e as forças militares sofreram uma escassez total de gás lacrimogêneo e outros projéteis para conter protestos, após 21 dias de conflitos de rua que antecederam a queda de Evo Morales.
Essa carência levou o governo interino a solicitar ajuda a pelo menos dois governos vizinhos: Argentina e Equador, então presidido por Lenín Moreno, que também entregou à Bolívia um carregamento de munições desse tipo.
A escassez de munições para a polícia fez com que, após os carregamentos da Argentina e do Equador, o ministro de Governo de Añez, Arturo Murillo, comprasse suprimentos policiais não letais por meio de uma empresa intermediária em Miami. Hoje Murillo está preso nesta mesma cidade americana, onde foi morar após deixar o cargo. Ele é acusado de ter recebido propina e de ter lavado dinheiro da sobretaxa que a Bolívia pagou por esta compra, estimada em mais de US$ 2 milhões.
Também está na prisão o autor da nota de agradecimento à Argentina, o general Terceros, acusado de ter participado do suposto golpe que levou Añez ao poder. A própria ex-presidente, dois de seus colaboradores e o ex-comandante da Marinha também estão detidos. O então comandante das Forças Armadas, Williams Kaliman, por outro lado, escapou em março de sua prisão domiciliar e agora é um fugitivo da Justiça. As informações são dos jornais O Globo e El País.