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Por Redação O Sul | 16 de janeiro de 2020
Na noite do último domingo, 12, o culto na igreja evangélica Assembleia de Deus de Amadora, na Grande Lisboa, em Portugal, transcorreu como de costume. Nem parecia que três dias antes três pastores da congregação haviam sido detidos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) do país europeu sob a acusação de tráfico de pessoas e associação para o auxílio à imigração ilegal. Após audiência, os religiosos foram liberados. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Uma semana após o ocorrido, as famílias de imigrantes brasileiros resgatadas, segundo a versão das autoridades, pelos agentes do governo continuam morando nas dependências do templo. Todas manifestaram desejo de continuar no local.
O inspetor do SEF Gonçalo Rodrigues, um dos responsáveis pela operação da semana passada, confirmou que nenhuma família foi retirada do templo. “Todos continuam lá. O processo não é imediato”, afirmou. Rodrigues disse não ter a autoridade para determinar se o local em questão é de fato precário. “Temos de questionar: é um espaço destinado a alojamento ou não? Todos nós deveríamos morar em locais construídos para ser alojamento.”
Ele informou que não pode dar detalhes do caso, pois a investigação ainda está em andamento. O jornal O Estado de S. Paulo encontrou um dos pastores acusados, mas por orientação do advogado ele não quis dar entrevista. Afirmou apenas estar tranquilo pois confia na Justiça portuguesa. A igreja tem cerca de 90 frequentadores habituais, a maioria imigrantes brasileiros.
O templo, localizado em uma região industrial, foi adaptado para abrigar as famílias. “A igreja veio para este local há 15 anos. As salas onde estão as famílias já foram usadas como sala de reuniões, sala do coro. Mas alguns fiéis estavam passando por necessidades e acabaram vindo morar aqui”, explicou L.P., uma das frequentadoras mais antigas da igreja, que pediu para não ser identificada.
Os fiéis temem a exposição, pois o caso teve grande repercussão em Portugal.”Eu ia começar em um emprego no dia em que a SEF apareceu aqui. A dona da empresa viu a reportagem na TV, reconheceu que era a igreja onde eu estava morando e acabou desistindo de me contratar”, contou C.F., uma das brasileiras que mora com o marido e dois filhos em um dos quartos improvisados no templo.
Ela diz que, se não fosse pelo alojamento na igreja, estaria na rua. A família de C.F. saiu de Minas há três meses para morar na Espanha, mas as coisas não deram certo. “Meu marido ia trabalhar na construção civil, mas quando chegamos na Espanha a obra foi embargada. Por não falar espanhol, não conseguimos emprego lá e decidimos vir para Portugal”, afirmou.
Sem dinheiro para as passagens de volta ou para alugar um apartamento, pediram ajuda na igreja. “Em Portugal, para alugar um quarto, eles pedem fiador e vários meses adiantado. A gente não conseguia pagar.” As famílias confirmaram que pagam aluguel pelo espaço, assim como pagam dízimo para a igreja.
“O pastor não me obriga a pagar o dízimo. Eu pago porque está na Bíblia. O pastor não vem pessoalmente me cobrar, olhar o recibo de quanto ganho”, afirmou F.N., um português que também mora na igreja.
Todas as famílias têm a chave de seus quartos, podem entrar e sair na hora que desejam e dizem estar no local por considerarem a melhor opção. “Antes, eu pagava € 300 (cerca de R$ 1.370) em um quarto, numa casa onde minha filha não podia fazer nada, porque reclamavam do barulho. Estamos muito melhor neste espaço”, garantiu E.S., que trocou Goiás por Portugal há seis meses.
Ela contou que ela mesma sugeriu ao pastor pagar € 300 para ficar no local. “Tenho TV nova, PlayStation, pago internet só para minha família, minha mãe veio de férias me visitar, atrás da minha cama a parede tem textura azul. Se estivesse aqui à força, ia mandar meu marido fazer textura na parede?”, questionou C.A, de São Paulo, que mora com o marido e a filha na igreja há mais de um ano. “Claro que não é o ideal, eu sonho em ter uma casa. Mas, enquanto não dá, prefiro ficar aqui.”
O SEF informou que a maioria dos brasileiros estava em situação irregular em Portugal, trabalhando sem “o necessário título jurídico válido”. As famílias que a reportagem encontrou estavam de fato sem autorização de residência ou visto de trabalho. Todas, contudo, estão com processos de regularização em andamento.
Portugal permite que pessoas que entraram como turistas possam pedir a residência sem sair do país caso encontrem trabalho. Com a alta procura, o processo de regularização tem demorado mais de um ano. Procurada, a Assembleia de Deus não se manifestou sobre o caso.
Procurado, o Consulado-Geral do Brasil em Lisboa disse que “foi informado da prisão pelo Poder Judiciário português”. Segundo o órgão, “apoio consular de praxe será prestado, se solicitado, de acordo com a legislação nacional e internacional”. O Itamaraty disse que não poderia dar mais informações sobre o caso em atendimento ao direito de privacidade dos envolvidos.