Sexta-feira, 31 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 28 de junho de 2020
 
				John atende o telefone. Ele parece estar estressado. “Por favor, quero permanecer anônimo”, diz, ao pedir que seu nome ou detalhes de sua história não sejam revelados para evitar retaliações de sua faculdade.
Ele não tem nem 30 anos, mas já possui uma dívida de US$ 130 mil (R$ 683 mil). Isso após só um ano de estudo em uma universidade particular dos Estados Unidos.
“Meu sonho era me tornar dentista, mas nunca pensei que acabaria nessa terrível situação financeira”, lamenta, acrescentando que deve outros US$ 20 mil que pegou emprestado para pagar estudos anteriores de “graduação”.
Quando terminar, John terá uma dívida acumulada de “mais de US$ 600 mil”.
Seu caso pode parecer extremo, mas não é único. Embora a média da dívida federal dos estudantes seja de US$ 34 mil, o número de pessoas com uma dívida de pelo menos US$ 100 mil atingiu 3,2 milhões no segundo trimestre de 2020, 33,3% a mais do que em 2017, segundo dados do governo americano.
Além disso, no início deste ano, mais de 270 cidadãos deviam pelo menos US$ 1 milhão. Esse número era de “mais de 100” em 2018 e apenas 14 há cinco anos.
A dívida estudantil é a segunda principal causa de endividamento para as famílias do país, atrás apenas das hipotecas e, portanto, uma das grandes preocupações da sociedade americana.
Os números são quase vertiginosos: em 2020, o total da dívida federal dos estudantes atingiu US$ 1,6 trilhão, mais do que o Produto Interno Bruto (PIB) da Espanha (US$ 1,4 trilhão).
Políticos proeminentes como o senador independente Bernie Sanders defendem o cancelamento de toda essa dívida, e a pandemia de coronavírus mais uma vez fez essas reivindicações ganharem força, em meio ao aumento histórico do desemprego.
Bomba-relógio
Em meio a essa preocupação, John acabou recorrendo a Travis Hornsby, fundador da Student Loan Planner, uma das empresas líderes em ajudar pessoas com grandes dívidas estudantis.
Hornsby diz que seus clientes geralmente têm cerca de US$ 100 mil em dívidas, mas ele também lidou com três casos de US$ 1 milhão.
O consultor ajuda seus clientes a encontrar o melhor plano de pagamento entre os oferecidos pelo governo para evitar uma potencial falência que afete sua nota de crédito e, portanto, dificulte a compra de um veículo e o aluguel ou aquisição de um imóvel.
“O sistema é tão prejudicial nos Estados Unidos porque não temos limites (nos valores de empréstimos federais para estudantes)”, critica Hornsby. Mas ele também critica o aumento no custo das matrículas nas universidades.
De acordo com um estudo da organização The College Board, entre 1989-1990 e 2019-2020, a média das taxas de matrícula triplicou no caso de universidades públicas para cursos de quatro anos e mais do que dobrou no caso de instituições privadas, para cursos de dois e quatro anos, após reajustes inflacionários.
Nos Estados Unidos, aqueles que optam por um diploma universitário passam por duas fases: graduação ou pré-graduação, de conhecimento mais geral, e pós-graduação, necessária para obter um diploma. No total, são até dez anos de estudos que precisarão ser pagos.
No entanto, existem pessoas que continuam seu caminho rumo à especialização, o que aumenta ainda mais a conta.
Os custos mais altos são encontrados nas faculdades de Medicina ou Direito, e Odontologia geralmente lidera a maioria das listas.
Um dos casos que mais chamou atenção nos últimos anos foi o de Mike Meru, um ortodontista que, aos 37 anos, ainda devia mais de US$ 1 milhão e cujo caso foi relatado pelo The Wall Street Journal.
“Nesse caso, a pessoa contratou empréstimos para seus estudos de graduação, depois foi para uma escola de Odontologia em uma das cidades mais caras dos Estados Unidos e solicitou um empréstimo de talvez US$ 500 mil e depois participou de outro programa para se tornar um ortodontista, no qual ele acabou pedindo outros US$ 300 mil. Além dos juros contabilizados enquanto estudava sem efetuar pagamentos. E foi assim que ele acabou com a dívida de US$ 1 milhão”, diz Hornsby.
O consultor acredita que o sistema se tornou uma “bomba-relógio”. “Existem muitas áreas em que estamos produzindo diplomados em excesso”, enfatiza, apontando as dificuldades de alguns formandos para encontrar trabalho e pagar dívidas.