Mundo Canadá se desculpa após homens trocados na maternidade descobrirem verdadeira origem quase 70 anos depois
Por Redação O Sul | 23 de março de 2024
Por quase 70 anos, dois homens canadenses viveram vidas destinadas ao outro. Richard Beauvais, de 68 anos, acreditava ser indígena. Eddy Ambrose, que nasceu no mesmo dia, achava que tinha ascendência ucraniana. Foi somente há quatro anos, após uma série de testes de DNA, que os dois descobriram ter sido trocados na maternidade.
“Ter a compreensão básica de quem você é, e quem eram seus pais e irmãos, tirada de você é uma experiência devastadora”, disse Bill Gange, advogado que representa ambos os homens. “Este pedido de desculpas é também para os irmãos que não cresceram com o irmão que deveriam ter, para os pais que nunca souberam do próprio filho.”
Na semana, o recém-eleito primeiro-ministro da província de Manitoba, Wab Kinew, pediu desculpas a Beauvais e Ambrose na legislatura da província. A medida reverteu uma decisão do governo anterior, que negou a responsabilidade pelo erro.
“Levanto-me hoje para apresentar um pedido de desculpas que já vem de muito tempo, por ações que prejudicaram duas crianças, dois pares de pais e duas famílias ao longo de muitas gerações”, disse Kinew na Assembleia Legislativa local, onde se encontrou com os dois homens.
Vidas trocadas
Desde a revelação de suas verdadeiras identidades, os homens resolveram rastrear o erro de 1955, ocorrido em Arborg, na época um hospital rural recém-inaugurado no sul de Manitoba, onde os funcionários deram aos pais o bebê errado.
Ambrose, nascido de mãe indígena e pai francês, passou sua juventude na comunidade agrícola de Rembrandt. Os pais que o criaram ensinaram a ele canções folclóricas ucranianas. Eles morreram quando ele era jovem e, nos anos seguintes, foi adotado por outra família que o amou.
A quase 96 quilômetros de distância, Beauvais teve uma experiência diferente: inconsciente de suas raízes eslavas, ele cresceu em uma comunidade indígena na costa leste do Lago Manitoba. Seu pai, Camille, morreu quando ele tinha 3 anos. Sua mãe, Laurette, lutou para criar Richard e outros seis filhos sozinha.
Beauvais precisou procurar comida no lixo para alimentar os irmãos. Quando tinha cerca de 8 anos, foi uma das milhares de vítimas de um episódio que ficou conhecido como o “Sixties Scoop”, quando o governo removeu à força milhares de crianças indígenas de suas famílias e as colocou em um sistema de acolhimento.
“Eu vi o que o governo fez com as crianças indígenas porque achavam que eu era uma criança indígena”, Beauvais disse ao jornal canadense Globe and Mail, que primeiro relatou a sua história. “Poucos brancos viram o que eu vi. Foi brutal e cruel.”
Beauvais também foi adotado por uma família que cuidou dele com amor. Ele mudou-se para a Colúmbia Britânica, no oeste do Canadá, e em 2020 fez um teste de DNA — um presente de Natal de sua filha — para aprender mais sobre a herança francesa de seu pai. Em vez disso, porém, o teste sugeriu que ele tinha ascendência ucraniana e polonesa.
O homem, que acreditava dirigir a única tripulação de pesca totalmente indígena da região, guardou o teste em uma gaveta. No entanto, nos meses seguintes, diferentes testes do tipo foram feitos por pessoas em todo o país. Eles eventualmente revelaram que os dois homens foram trocados ao nascer.
Caso não é o primeiro
O caso marca o terceiro erro conhecido desse tipo na província de Manitoba. O advogado de Ambrose e Beauvois também representou outros dois homens de comunidades indígenas do norte que foram trocados num hospital indígena em 1975.
Gange apresentou o caso de seus atuais clientes para o ministério da saúde de Manitoba em abril de 2022, mas o governo se recusou a comentar. Em fevereiro de 2023, quando o Globe and Mail revelou a história dos dois, as autoridades reconheceram o erro, mas negaram qualquer responsabilidade.
Quando o partido de esquerda Novo Democrático ganhou as eleições recentes, e Kinew se tornou o primeiro-ministro das Primeiras Nações do Canadá, Gange tentou contato novamente, e desta vez foi informado de que o governo se desculparia pelo erro.
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