Sábado, 03 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 14 de novembro de 2021
Cidade preferida dos milionários brasileiros em Portugal, Cascais é cenário de uma guerra imobiliária. Com o mercado em ebulição nesta retomada econômica pré-fim do chamado “visto gold” (autorização de residência para estrangeiros de fora da União Europeia que investem no país), uma empresa do ramo colocou vários outdoors à beira da estrada para protestar contra um empreendimento rival.
Nas ruas da Quinta da Marinha, um bairro de milionários de todas as nacionalidades, a crescente comunidade brasileira é a maior entre os estrangeiros, para os quais está voltada a maior parte do mercado imobiliário. Em Cascais, eram 5.434 brasileiros em 2017 e passaram a 10.511 em 2020, um aumento de 93%.
Ao todo, há quase 33 mil estrangeiros inseridos em uma população de aproximadamente 200 mil. E é neste cenário cosmopolita e moderno que uma das mais rudimentares ferramentas de comunicação chama atenção. Há dezenas de cartazes onde se lê: “A Quinta da Marinha não é responsável por este desmando urbanístico”.
Logo abaixo da frase presente em todos os outdoors, uma seta aponta para o novo condomínio rival, o Bloom Marinha. E ficam todos colados ao empreendimento em fase de construção.
De acordo com fonte de um órgão municipal, a empresa Quinta da Marinha SGPS, dona de outro empreendimento, é a responsável pelas instalações e mensagens dos outdoors.
Anúncios “hollyoodianos”
Questionados pelo Portugal Giro sobre o que pensavam da estratégia, funcionários de um hotel de luxo nas redondezas disseram que lembrava o filme “Três anúncios para um crime”, de Martin McDonagh, que deu à Frances McDormand seu segundo Oscar de melhor atriz.
E indicaram que a quantidade de casas do Bloom não agradaria à vizinhança seleta e seriam invadidas por outros estrangeiros ricos, tirando a paz local. Ainda não há ninguém morando no local. Em Portugal, o título do filme foi traduzido para “Três cartazes à beira da estrada”, daí a associação.
Mas é trágico, porque o enredo do filme é baseado na saga real de Marianne Asher-Chapman (interpretada por McDormand) em busca do corpo da filha assassinada no Missouri (EUA), em 2003. Ela aluga o espaço de três outdoors à beira da estrada para criticar a investigação policial.
Alguns carros chegam a diminuir a velocidade para tirar fotos das placas em Cascais, que estão ao redor de quase todo o Bloom, condomínio fechado, com serviços de luxo e composto por 88 unidades de um a seis quartos.
De acordo com a imobiliária que cuida da promoção e vendas das unidades, “há muito interesse dos brasileiros por este projeto, porque tem as comodidades ideais para este mercado”.
No anúncio detalhado disponível no site, a maior casa ocupa até 2,9 mil metros-quadrados. Os valores do metro-quadrado, segundo com a imobiliária, ronda os 6,5 mil euros (R$ 40 mil) e 7,6 mi euros (R$ 47 mil).
Um selo de visto gold aparece sobre a foto de uma unidade e indica que pode custar, no mínimo, 500 mil euros (R$ 3,1 milhões), valor inicial determinado governo para aquisições imobiliárias que não tenham mais de 30 anos ou precisem de reabilitação. É muito mais. Na tabela da imobiliária, o preço médio de um T5 compact, o mais caro, é de 4,98 milhões euros (R$ 29 milhões).
O que teria abalado a paz naquele recanto costeiro conhecido como a “Riviera Portuguesa” (em alusão à chique região francesa), a 30 quilômetros de Lisboa e inserido no Parque Natural de Sintra-Cascais, cercado por mansões, praias, campos de golfe e hotéis cinco estrelas? A antiga crise econômica está na origem.
“Quem te viu, quem te vê”
Quando Portugal não estava na moda no início da década de 2010 e turistas e estrangeiros eram raros, o país ibérico enfrentava o caos econômico, sofria a intervenção da troika e experimentava a maior recessão até então.
À época, a Quinta da Marinha SGPS chegou a iniciar um projeto imobiliário semelhante no local, não pôde avançar e teve que vender o terreno onde hoje está o Bloom a um banco, que depois repassou ao novo empreendimento.
Agora, ainda segundo a fonte do órgão municipal, a Quinta da Marinha SGPS critica o projeto do concorrente em seu antigo terreno. Mas tem o direito de fazer porque os cartazes estão instalados em sua propriedade privada, que seria a calçada ao lado do Bloom, algo que estaria previsto em lei.
Em uma manhã de sexta-feira no fim de outubro, o presidente da Quinta da Marinha SGPS, Miguel Champalimaud, foi supervisionar pessoalmente o corte de plantas e árvores junto à calçada do Bloom, plantadas a pedido do condomínio rival. A polícia foi chamada, algumas espécies foram salvas e o vídeo foi parar no “Correio da Manhã”.