Domingo, 10 de agosto de 2025
Por Redação O Sul | 9 de agosto de 2025
Uma máxima que circula há décadas nos corredores e no plenário do Congresso informa que ali tem de tudo, só não tem bobo – uma lembrança providencial das virtudes e dos vícios do Legislativo federal ao constatarmos razões subjacentes que justificam a recente insurreição de parlamentares bolsonaristas. Não restam dúvidas de que a principal bandeira do minigolpe tentado pelos vândalos radicais nesta semana era livrar Jair Bolsonaro da cadeia. Mas existem sinais suficientes mostrando que à defesa da anistia ao ex-presidente e outros golpistas se soma o desejo de sobrevivência de congressistas potencialmente encalacrados.
É sintomático que, em meio à pregação pela anistia e à ameaça aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), surja uma espécie de operação de blindagem dos deputados suspeitos de desviar emendas parlamentares – alvos, como se sabe, da ação do STF. Há hoje mais de 80 inquéritos sobre malversação de verbas federais por meio de emendas distribuídas sem qualquer transparência – um verdadeiro festim. O País tenta, com muito custo, conflito e tensão, impor um controle mínimo sobre a distribuição desse dinheiro no âmbito do Orçamento da União, que desde 2015 está cada vez mais à mercê dos interesses paroquiais dos parlamentares.
Se o bolsonarismo deseja tirar Bolsonaro do STF, parte do Centrão, em especial, parece querer segurar um escudo de proteção que garanta a impunidade de sempre. O projeto que acaba com o chamado foro especial, extinguindo a prerrogativa para todas as autoridades, exceto os chefes dos Três Poderes, também teria essa serventia. Hoje, o foro privilegiado garante que crimes cometidos no exercício do mandato sejam julgados por tribunais superiores. Pelo entendimento mais recente, se o crime estiver ligado à função, o processo permanece na Corte mesmo após o fim do mandato. Mudar o foro abriria caminho para que ações comecem em instâncias inferiores, em trajeto mais longo até o STF. Há ainda quem queira colocar em tramitação um projeto que impeça a investigação judicial de parlamentares a não ser com autorização do próprio Congresso.
Um dos líderes do levante, o deputado alagoano Sóstenes Cavalcante, do PL de Bolsonaro, garantiu que a súcia de radicais só desocupou a Mesa Diretora da Câmara porque o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), teria se comprometido a pautar a proposta do fim do foro especial e o projeto de anistia, o que Motta negou. Se, por ora, não há certeza do que acontecerá nas próximas semanas, não deixa de ser preocupante ver sinais perturbadores. A começar pela tibieza com que Hugo Motta tratou o motim – vendo-se na humilhante situação de só conseguir reassumir a cadeira de presidente depois de permissão dos golpistas.
Se não teve pulso para pôr a casa em ordem naquela noite, Hugo Motta precisará demonstrar que pode agir diferente daqui para a frente e provar que está à altura do desafio em suas mãos. No Brasil, o presidente da Câmara pode muito. Tem o poder de definir a pauta de votações, acelerar ou deixar em banho-maria projetos de lei, medidas provisórias ou quaisquer propostas legislativas, administrar o colégio de líderes (grupo formado pelas lideranças dos partidos com assento na Casa) e dirigir as discussões entre os deputados no plenário. E ainda tem o poder de vocalizar os interesses diretos, grandes ou pequenos, dos parlamentares. E aí que mora o perigo: sua ascensão, como se sabe, ocorreu em grande parte porque, por trás de seu nome, havia grupos políticos bem articulados, interessados na perpetuação de um modelo de exercício do poder fora de qualquer tipo de controle.
Só ingênuos ignorariam o fato de que é da natureza do cargo representar interesses dos parlamentares que o elegeram praticamente por aclamação. Mas convém lembrar que, acima de tudo, há interesses maiores a serem atendidos – da sociedade, da Federação e da preservação da imagem de um Congresso que parece cada vez mais divorciado dos eleitores. (Opinião/Jornal O Estado de S. Paulo)