Domingo, 21 de setembro de 2025
Por Redação O Sul | 19 de setembro de 2025
O que era para ser apenas um encontro casual após o fim de um longo relacionamento, transformou-se em constrangimento e dor de cabeça para a consultora de vendas Mirian Carlos de Araújo, de 33 anos. Ao conhecer um rapaz de sua cidade, Goiânia, levou um choque logo no primeiro encontro. “De cara ele me disse que tinha uma dependência emocional da ex e já havia até brochado em uma relação sexual pensando nela. Começou a me contar histórias muito íntimas”, relembra. Ainda assim, não se afastou imediatamente, imaginando tratar-se de um momento aleatório de fragilidade do sujeito. No entanto, outras revelações vieram a seguir. “Além de assumir o vício em pornografia, comentou também que já havia tentado suicídio. Repetia que jamais esconderia algo de mim. Mas foram muitas informações de uma só vez. Eu preferia não saber tanto”, relembra Mirian. “Hoje em dia, jamais me permitiria estender uma situação assim.”
Um ataque de “sincericídio” do crush, a princípio, pode até ser uma qualidade. Afinal, quem não se sente importante ao ganhar a inteira confiança do outro, criando uma conexão imediata? O comportamento, uma nova forma de interação, principalmente entre a Geração Z (os nascidos entre 1995 e 2010), foi batizado de floodlighting (iluminação intensa, em inglês) pela escritora pop americana Brené Brown, autora do best-seller “A coragem de ser imperfeito”. São detalhes pessoais sendo escancarados na velocidade da luz, sobrecarregando o outro com uma enxurrada de informações. E isso, invariavelmente, causa desequilíbrio.
Para a socióloga e filósofa Flávia Ramos, trata-se de “reflexo de traumas anteriores”: “A pessoa cai em uma armadilha. Está tão exausta de tantas furadas, de parceiros que não toleravam suas imperfeições, e pensa: quem me aceitar, vai ter que ser assim mesmo, de uma vez”, comenta. De acordo com a socióloga, o floodlighting é também uma forma de dominação emocional e não-responsabilização das próprias atitudes. “Esse movimento de inundar o outro com a sua vulnerabilidade é disfarçado de romantismo. ‘Ah, vou te contar todos os meus segredos’. Existe uma certa pressão para que seja recíproco. O que é um grande risco, porque você não sabe como o outro vai reagir”, continua.
A rotina frenética nas redes sociais — e a vida seguindo mais no on do que no offline — é outro agravante para a prática do floodlighting. Segundo Pamela Magalhães, psicóloga especialista em relacionamentos, elas criam um ambiente ilusório e confortável para expor cada passo. “É um hábito compartilhar tudo e perdemos a dimensão e o contexto do que é natural. Perdemos os filtros. Quando postamos, também atingimos um público desconhecido, e não sabemos como isso será recebido pelo outro”, explica.
Embora não tenha tido nenhuma “red flag” durante a conversa por aplicativo com o rapaz com quem deu match no Tinder anos atrás, a relações-públicas paulista Mariana Ferrari de Souza, de 39 anos, levou um susto no dia do encontro. “Horas antes, ele me disse que estava nervoso porque havia sumido uns dólares da casa dele, o que achei estranho”, relembra. Ao chegarem no local combinado, um bar, ele sacou um remédio tarja preta do bolso. “E tomou na minha frente, sem falar nada. Aquele mise en scène me impressionou. Não sairia com alguém nessas condições”, avalia Mariana.
Mas, como saber quando estamos falando demais e qual é a hora certa para revelar tanta intimidade? “Uma autora de quem gosto muito, a Bell Hooks, fala sobre a paciência amorosa. É nossa capacidade de permitir que conexões se desenvolvam organicamente, sem forçar essa intimidade prematura”, explica Flávia Ramos. Mais do que aquilo que alguém diz, vale observar as atitudes. E saber o que é tolerável, ou não. “É interessante também praticar a escuta. Vivemos em uma sociedade do imediatismo e isso se transferiu para os primeiros encontros”.
Equilíbrio, afinal, é respeitar o tempo natural do vínculo e dos encontros. “A relação é como uma planta: você não joga dois litros de água nela de uma vez. Ela será regada aos poucos, considerando seu crescimento, para que não seja sufocada e morra”, acredita Pamela Magalhães. E um plus: guardar as partes sensíveis e manter, no flerte, uma aura de mistério, tem lá o seu charme. “Conte sua história, mas deixe com você o que ainda precisa ser cuidado, cicatrizado. A intimidade nasce gradualmente.” O amor agradece. As informações são do jornal O Globo.