Quinta-feira, 20 de novembro de 2025
Por Edson Bündchen | 20 de novembro de 2025
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editoriais de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
O mês da Consciência Negra deveria ser um tempo de celebração da cultura afro-brasileira, da resistência e da contribuição de milhões de pessoas que moldaram o país. Mas, ao mesmo tempo, a data expõe os profundos contrastes sociais que ainda marcam o Brasil, um país que insiste em conviver com desigualdades estruturais e preconceitos persistentes. A escravidão, de fato, por sua amplitude e impacto, ainda repercute entre nós, muitas vezes com seus ecos refletidos diariamente em forma de violência, discriminação e miséria contra a população negra e mestiça.
Por que ainda existe preconceito racial em uma sociedade formada, essencialmente, pela miscigenação? Essa pergunta desconfortável continua atual. A ciência já desmontou qualquer noção de “raça” como critério biológico. A cor da pele não nos diferencia em nossa essência; as diferenças reais estão na história, na cultura, nas oportunidades, ou na falta delas.
No Brasil, o preconceito contra os negros tem raízes num período de mais de 350 anos de escravidão, seguido por um processo abrupto e mal-conduzido de liberdade formal, em 1888. A abolição, tão celebrada, não significou inclusão: milhões de libertos foram deixados à própria sorte, sem terra, sem educação, sem renda e sem qualquer política de integração. É desse passado que brota, ainda hoje, a desigualdade que atinge de forma desproporcional a população negra.
O 20 de Novembro é, portanto, um convite a olhar para essa ferida aberta, e também para as tentativas de reparação. A discussão sobre políticas afirmativas e programas de inclusão, embora legítima e necessária, ainda divide o país. Muitos veem nelas um mecanismo de justiça histórica; outros receiam que a classificação racial, mesmo bem-intencionada, reforce fronteiras que deveriam ser superadas. Contudo, fica evidente que ignorar a realidade não é uma boa forma de se fazer justiça, seja reparatória ou não. Aliás, não há como reparar o flagelo de milhões de escravizados que pereceram sob as condições mais cruéis, seja na captura nas costas africanas, seja nas condições inomináveis dos porões dos navios negreiros, seja na sobrevivência desumana sob a senzala.
É preciso reconhecer, contudo, que, se não há como voltar ao passado nem apagar o sofrimento de milhões de pessoas submetidas a violências inimagináveis, há como construir um futuro diferente. E esse futuro passa por atacar o núcleo da desigualdade brasileira que reside na precarização econômica e a desigual distribuição de oportunidades, sem esquecer de repudiar toda a forma de preconceito.
Programas de inclusão deveriam priorizar a vulnerabilidade socioeconômica, alcançando negros, brancos, pardos, indígenas e amarelos, todos os brasileiros que vivem à margem do acesso a renda, educação e cidadania. Combater a desigualdade não exige negar a dimensão racial do problema; exige, isso sim, ampliar a lente para que ninguém seja deixado para trás. Uma sociedade mais equilibrada social e economicamente, tende também a tornar mais justa e pacífica a convivência entre os brasileiros. Nesse sentido, a violência que caracteriza os tempos atuais e aflige a Nação, não por acaso tem na negligência das políticas de inclusão social um de seus principais motores.
Somos todos parte da mesma espécie, filhos de uma mesma humanidade. Por isso, o combate ao preconceito precisa ser um projeto nacional, que una políticas públicas, empresas, escolas e famílias. Não haverá paz social enquanto milhões de brasileiros viverem abaixo da linha de pobreza; nem enquanto pessoas negras continuarem a sofrer preconceito explícito ou velado, herança de um passado que insiste em não passar.
O Dia da Consciência Negra deve ser, acima de tudo, um chamado à responsabilidade histórica. Um país menos desigual e menos preconceituoso é possível, mas só será construído com solidariedade, empatia e a clara percepção de que a liberdade plena, tão proclamada em 1888, ainda precisa ser verdadeiramente conquistada.
(Instagram: @edsonbundchen)
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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