Domingo, 11 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 17 de dezembro de 2018
Esta não é a primeira vez em que relatos de abuso sexual chocam o Brasil. Em 2009, o médico especialista em fertilidade Roger Abdelmassih foi preso preventivamente após ser acusado de violentar mais de 40 pacientes, número que depois foi reduzido para 37. Quatro meses depois, acabou sendo solto. A sentença contra ele foi dada em 2010: o médico foi condenado a 278 anos de prisão pelos crimes de estupro, tentativa de estupro e atentado ao pudor. A pena acabou reduzida para 181 anos em 2014 por causa da prescrição de alguns crimes. Abdelmassih ficou foragido por três anos antes de ser preso e chegou a liderar a lista de procurados da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo. Ele foi localizado em agosto de 2014, em Assunção, no Paraguai, de onde foi deportado. Ele ficou preso até o ano passado, quando foi transferido para prisão domiciliar devido a problemas de saúde. As informações são do jornal O Globo.
Em 2017, foi dada a sentença contra outro médico acusado de abuso. Omar Castro foi condenado a 62 anos e sete meses de prisão por estupro, tentativa de estupro de vulnerável e por molestar pacientes. O médico já estava preso desde 2006. Na semana passada, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina deu continuidade ao julgamento da apelação criminal do médico Omar César Ferreira de Castro, condenado em 1º grau por abuso sexual contra pacientes em Florianópolis. Em seu voto, o relator do caso, desembargador Carlos Alberto Civinski, manteve a condenação, mas reduziu a pena para 42 anos e quatro meses em regime inicial fechado e mais dois meses e seis dias de prisão simples, em regime inicial semiaberto. O desembargador Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva, outro integrante da câmara, pediu vista dos autos logo após o encerramento da explanação de Civinski. O pedido suspende temporariamente o julgamento da matéria, que deve ser reiniciado em janeiro, após o recesso judiciário.
Três meses foi o tempo que levou entre o abuso que Simone Zucco sofreu do médico Omar Castro, condenado a 62 anos de prisão, e a decisão de denunciá-lo. A ida às autoridades só aconteceu depois que Simone viu na internet o comentário de outra vítima do médico, que se identificava como advogada e pedia para que as mulheres que tivessem passado pelo mesmo o denunciassem. Após o contato com Valeska Gerlach, Simone prestou depoimento na delegacia:
“Eu não sabia o que fazer. Tinha visto muitas reportagens na internet e, em uma delas, li as palavras da Valeska. Mandei mensagem, contei minha história e ela me incentivou. Só entende a sua dor quem também passou por isso. Dá medo, porque você não sabe o que as pessoas vão falar, elas julgam muito os outros.”
Na última semana, após a revelação das primeiras denúncias e abuso sexual contra João Teixeira de Faria, o João de Deus, mais de 300 mulheres foram às autoridades contra o médium. Especialistas explicam que o comportamento é comum, sobretudo em crimes sexuais nos quais as sobreviventes, muitas vezes, são estigmatizadas pela sociedade. Assim, quando as mulheres se reconhecem umas nas outras, sentem-se fortalecidas para romper o silêncio.
Não por acaso o grupo “Vítimas unidas”, criado por Vana Lopes, uma das mulheres que foram abusadas pelo médico Roger Abdelmassih, assumiu a linha de frente no apoio às mulheres que acusam João de Deus. Antes mesmo de os crimes atribuídos ao médium virem à tona, a organização, que atende diversos casos, já prestava assistência psicológica e jurídica a mulheres que procuravam ajuda para denunciar o médium.
“Mulheres em realidades e cidades diferentes descrevem a mesma situação. Pessoas que pesquisamos e temos certeza de que nunca se viram. É claro que as mulheres foram se calando, mas, à medida que o debate de assédio vem à baila, cria-se o fortalecimento para denúncia”, explica Maria do Carmo Santos, presidente do grupo.
Há 25 anos, Vana Lopes foi estuprada por Abdelmassih. Na luta contra o trauma, a estilista decidiu transformar o drama pessoal em uma causa e passou a apoiar vítimas de abusadores em todo país:
“A luta é difícil, é como subir uma montanha, mas a gente chega lá. Devagar, cansada, mas a recompensa é olhar lá de cima e ver um horizonte de justiça. Se não conseguimos uma justiça plena para nós mesmas, porque já sofremos a violência, conseguimos para outras, porque elas não serão violentadas.”
Esse também foi o motivo que levou Valeska Gerlach a mostrar o rosto para denunciar Omar Castro. Após o primeiro abuso, a advogada procurou imediatamente a polícia e voltou para uma nova consulta com o médico para registrar o que acontecia.
Os processos psicológicos pelos quais as vítimas de abuso sexual passam são complexos, de modo que a formação de uma rede de apoio é importante. Os relatos que vieram à tona nos últimos dias revelam reações semelhantes de muitas mulheres. No momento da violência, grande parte delas fala sobre uma sensação de congelamento. Depois, os sentimentos vão desde duvidar de si, relativizando a violência que sofreram, até o medo de tocar no assunto.