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Colunistas Crise de Dívida, Risco Real ou Paranoia?

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Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editoriais de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

A economia mundial vive um momento em que diagnósticos tradicionais já não dão conta de explicar a complexidade do sistema financeiro e as vulnerabilidades que se acumulam. A teoria econômica neoclássica, que ainda orienta grande parte das decisões de política econômica, persiste em tratar os bancos como meros intermediários entre poupadores e tomadores. Mas essa visão, como alerta o economista Steve Keen, está muito distante da realidade. Bancos não apenas intermedeiam: eles criam dinheiro ao conceder crédito. Ao ignorar esse fato, modelos econômicos deixam de captar a verdadeira fonte de risco sistêmico.

Keen insiste em um ponto fundamental de que o importante para o ciclo econômico não é apenas o nível da dívida, e sim a sua variação. É a velocidade com que o endividamento privado cresce ou desacelera que impulsiona expansões e recessões. Nos períodos de rápida expansão do crédito, a demanda é artificialmente inflada. Quando o crédito desacelera, mesmo que em patamar elevado, a economia perde força de forma brusca. Esse mecanismo, geralmente ausente dos modelos ortodoxos, foi determinante na crise de 2008 e em diversas contrações posteriores.

Esse diagnóstico, centrado na dinâmica da dívida privada, dialoga diretamente com os riscos descritos por Ray Dalio em seus estudos sobre os grandes ciclos de endividamento e as transformações da ordem econômica global. Dalio mostra que sociedades avançam por longos períodos de endividamento crescente até atingir pontos de ruptura, nos quais a capacidade de honrar compromissos se esgota. Nesses momentos, emergem pressões fiscais, inflação persistente, polarização política, deterioração institucional e perda de competitividade.

O encontro teórico de diferentes visões sobre a crise de dívidas é especialmente relevante para países, como o Brasil, que enfrentam fragilidades fiscais, crescimento baixo e ambiente político polarizado. Dalio identifica cinco grandes fatores de risco para qualquer nação: endividamento excessivo, conflitos internos, declínio da produtividade, desgaste institucional e pressões externas num cenário de reorganização global. Todos eles podem ser agravados quando a política econômica subestima a dinâmica da dívida privada, justamente a crítica central de Keen. Nesse aspecto, um ponto central de atenção não é exatamente o aumento súbito do endividamento privado, mas o seu custo, em larga medida decorrente da política de juros do Bacen. A Selic, hoje ratificada em 15% a.a. , coloca o Brasil diretamente em situação de vulnerabilidade fiscal, um dos indicadores mais sensíveis nas crises por dívidas.

Se bancos criam dinheiro ao emprestar e se a variação do crédito define o ritmo da economia, no caso brasileiro potencializado pelos juros estratosféricos, então políticas públicas baseadas em modelos que ignoram esse mecanismo tornam-se insuficientes, e às vezes contraproducentes. Ao longo do tempo, esses equívocos alimentam distorções que se manifestam não apenas na esfera econômica, mas também na coesão social e na estabilidade institucional, exatamente como descreve Dalio.

A leitura conjunta de Dalio e Keen revela também um mapa de riscos que vai muito além da contabilidade tradicional de dívida pública ou déficit fiscal. Ela exige que o debate econômico seja atualizado para incorporar a realidade de um sistema financeiro que não é neutro, não é passivo e não funciona como os modelos clássicos gostariam. Exige também que os formuladores de políticas entendam que crises não são eventos isolados, mas culminações de longos ciclos mal compreendidos. Nossa insistência em ignorar o conjunto de sinais que os modelos, como o de Ray Dalio, nos oferecem, aumenta ainda mais um risco que já é muito grande. Não há como uma economia com as nossas características suportar desequilíbrios fiscais permanentes.

Se negligenciarmos essa convergência de alertas, continuaremos cegos aos sinais de instabilidade que já se formam. E, como mostram Dalio e Keen, o custo dessa cegueira pode ser elevado demais para países que não têm muita margem para erros.

(Instagram: @edsonbundchen)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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