Segunda-feira, 16 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 27 de janeiro de 2024
A Polícia Federal (PF) deflagrou uma operação para investigar a suspeita de uso político da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante a gestão do delegado Alexandre Ramagem (atual deputado federal pelo PL) no governo Jair Bolsonaro. Ramagem, pré-candidato à Prefeitura do Rio, nega as acusações e diz que há “uma salada de narrativas” para incriminá-lo. Aliados de Bolsonaro têm tratado a operação como ato de perseguição à oposição. Mas as acusações são extremamente graves, estão embasadas em indícios sólidos e precisam ser investigadas até o fim.
De acordo com a PF, a Abin criou uma “estrutura paralela” que funcionava como organização criminosa para monitorar ilegalmente ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), parlamentares, adversários políticos do governo e até a promotora que chefiava as investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista Anderson Gomes. No ano passado, nos três primeiros anos do governo Bolsonaro, a Abin usara, sem autorização da Justiça, um software capaz de monitorar a localização de até 10 mil celulares em todo o território nacional.
Agora, a PF afirma que o sistema foi empregado para vigiar o então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, a então deputada federal Joice Hasselmann (ela foi líder do governo na Câmara, mas rompeu com Bolsonaro) e o então governador Camilo Santana (PT), atual ministro da Educação (sobre quem a vigilância envolveu, segundo a PF, até drones). Ainda de acordo com as investigações, agentes da Abin usaram ferramentas e serviços oficiais para intervir em favor de Jair Renan Bolsonaro, filho do ex-presidente, numa ação investigando tráfico de influência que acabou arquivada.
A PF encontrou também relatórios para defesa do senador Flávio Bolsonaro no caso das “rachadinhas”. Por fim, as investigações identificaram anotações da Abin tentando associar os ministros do Supremo Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes ao Primeiro Comando da Capital (PCC), uma das maiores facções criminosas do país.
Não é segredo que Bolsonaro usou instituições de Estado para benefício próprio, da família e de amigos. Na célebre reunião ministerial de 22 de abril de 2020, cobrou informações de órgãos oficiais, em especial da PF, para não ser surpreendido pelos fatos. A crise levou à demissão do então ministro da Justiça, Sergio Moro. Ele disse à época que Bolsonaro queria ter na PF uma pessoa de confiança para quem pudesse ligar, colher dados e relatórios. Com a saída de Moro, Bolsonaro nomeou Ramagem como chefe da PF, mas a nomeação foi suspensa pelo Supremo, por ferir princípios constitucionais.
É fundamental levar as investigações adiante para descobrir até que ponto houve uso do Estado em benefício de Bolsonaro, seus aliados e familiares. Também é importante esclarecer se a atual gestão da Abin atuou para dificultar apurações. Sempre há risco de captura de organismos de Estado pelo governo, afastando-os do papel republicano. A sociedade precisa ficar alerta. (Opinião do Jornal O Globo)