Quarta-feira, 17 de setembro de 2025
Por Redação O Sul | 14 de dezembro de 2019
No último dia 3, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou a regulamentação do registro e da venda de medicamentos à base de Cannabis nas farmácias e drogarias do Brasil. De maneira prática, isso facilita quem usa medicamentos feitos com substâncias provenientes da maconha, que passam a não depender mais da importação direta desses remédios.
Mesmo com essa liberação, ao menos em um primeiro momento fica proibido o cultivo da planta no país para os mais variados fins, o que inclui pesquisas. É um problema, uma vez que estudos têm indicado um enorme potencial terapêutico para a planta.
“Na parte analgésica, em problemas de pele e no tratamento de alguns transtornos neuropsiquiátricos como ansiedade, Parkinson e psicoses há estudos promissores. Considerando ainda um uso compassional, isto é, admitido em casos excepcionais nos quais outras alternativas falharam, temos situações como pacientes em quimioterapia que poderiam se beneficiar dos efeitos antieméticos [para evitar vômitos] e orexígenos [para aumentar o apetite], além da sensação de relaxamento e bem-estar promovida por essas substâncias”, afirma o professor Francisco Silveira Guimarães, do departamento de farmacologia da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo), que também estuda os efeitos terapêuticos dos canabinoides.
Letras mágicas
Atualmente, boa parte das discussões e estudos sobre os efeitos terapêuticos dos canabinoides se concentram em duas siglas: THC e CBD.
A primeira se refere ao Tetra-hidrocanabinol, que é a principal substância psicoativa encontrada nas plantas do gênero Cannabis. Já o CBD, também conhecido por canabidiol, não tem os efeitos psicoativos do THC, mas interage com receptores específicos nas células do cérebro e do corpo.
Mesmo sendo as mais conhecidas, elas não são as únicas: até o momento, mais de 100 substâncias diferentes e com potencial terapêutico foram encontradas em extratos de Cannabis.
“No meu conhecimento, até o momento não existe qualquer medicamento com outros canabinoides, terpenos ou flavonoides, substâncias encontradas em preparados vegetais a partir da Cannabis. Isso não significa que essas substâncias não tenham potencial para aplicação medicinal. Apenas não temos conhecimento suficiente e regulamentação necessária para fomentar a criação de produtos farmacêuticos a partir da Cannabis”, explica o neurocientista Claudio Queiroz, do Instituto do Cérebro da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
Quando usar?
Ao menos por ora, o uso de canabinoides tem efeito comprovado em poucas doenças. “Com exceção de epilepsias infantis de difícil controle, como a Síndrome de Dravet, e no tratamento sintomático, com melhora da dor e da espasticidade provocadas pela esclerose múltipla, eu colocaria as demais indicações como possíveis efeitos terapêuticos dos canabinoides, que ainda necessitam de comprovação clínica”, cita Guimarães.
A lista, no entanto, tende a aumentar, conforme aponta Queiroz, uma vez que o extrato de Cannabis tem tido resultados promissores no tratamento de sintomas de patologias como autismo e glaucoma.
O que é importante frisar é que quem fuma maconha não, necessariamente, se aproveita dos efeitos terapêuticos dos canabinoides. Um dos motivos para isso é que o uso contínuo de psicotrópicos frequentemente resulta em tolerância às substâncias. “Essa é uma ótima pergunta para a qual ainda não temos uma resposta definitiva. Apenas estudos controlados são capazes de elucidar se, e em que medida, a tolerância se desenvolve”, diz Queiroz.
Outro ponto a ser considerado é que a concentração de CBD e THC da maconha usada para fumar pode variar bastante, o que resulta em efeitos imprevisíveis. “Canabinoides produzem curvas de resposta em forma de sino, com aumento do efeito conforme aumento da dose até certo ponto, sendo que a partir desse ponto o aumento da dose pode causar diminuição do efeito gerado. Altas doses de THC, por exemplo, podem produzir ataques de pânico ao invés do efeito ansiolítico usualmente descritos por quem fuma um cigarro de maconha”, explica Guimarães.