Quinta-feira, 29 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 3 de julho de 2015
As armadilhas da burocracia são tantas que nem a morte escapa delas. Quase 120 anos depois do enterro, a notícia é recuperada de empoeirados escaninhos: uma filha de Dom Pedro I, aquele que declarou o Brasil independente de Portugal, foi sepultada no Cemitério da Consolação, em São Paulo. Trata-se de Maria Isabel de Alcântara Bourbon, a Condessa de Iguaçu, última dos cinco filhos (um menino natimorto, Isabel Maria – Duquesa de Goiás –, Pedro de Alcântara Brasileiro, Maria Isabel de Alcântara Brasileira – Duquesa do Ceará –, completam o quinteto), que o imperador teve com sua mais famosa amante, Domitila de Castro Canto e Mello, a Marquesa de Santos.
Tanto o endereço da sepultura quanto o local da morte de Maria Isabel não eram consenso entre pesquisadores.
Quem decidiu passar a limpo o que era um rascunho desse fragmento da História do Brasil foi o arquiteto e historiador Paulo Rezzutti. “Estava finalizando meu novo livro, a biografia de d. Pedro [‘D. Pedro: a História Não Contada – O Homem Revelado por Cartas Íntimas e Outros Documentos Inéditos’, cujo lançamento deve ocorrer ainda no segundo semestre deste ano] e me deparei com o desafio de pesquisar a respeito dos filhos dele”, conta o pesquisador.
Mistério.
Maria Isabel era um ponto confuso nessa história. Ao contrário da irmã Duquesa de Goiás – que foi sepultada na Alemanha –, as informações publicadas apresentavam discrepâncias. Então Rezzutti decidiu ir a campo. Vasculhou arquivos do Cemitério de São João Batista, no Rio, e de igrejas. Mas nada de encontrar uma linha sobre a filha do imperador.
Foi quando um artigo publicado pelo jornal Estado de Minas, em 1962, ajudou. “Era uma crônica escrita por um sujeito que, naquela altura bem mais velho, se recordava do tempo em que morou em São Paulo, próximo da Estação da Luz”, conta Rezzutti. “E ele contava que era vizinho da condessa de Iguaçu, com quem a molecada toda da rua aprendeu a falar palavrão.”
A pesquisa retornava, então, para São Paulo. O historiador encontrou a primeira pista: o obituário de Maria Isabel, publicado, em 1896. “Faleceu ontem, nesta cidade, a sra. Condessa de Iguaçu, filha da finada Marquesa de Santos. O enterro dá-se hoje, subindo o féretro da rua dos Protestantes. Os nossos pêsames à exma. família enlutada”, dizia a nota.
Confirmado o local da morte, restava para o historiador concluir o endereço do sepultamento – o que veio com o registro de óbito, lavrado por um cartório de São Paulo. “Faleceu nesta capital […] causa mortis: arterioesclerose. Não deixou testamento, apenas a relação de alguns donativos a serem feitos. Foi enterrada no Cemitério Municipal”, relata o documento. Cemitério Municipal é o nome original do Cemitério da Consolação.
Detalhe.
Mas o biógrafo queria descobrir qual era o túmulo. Foi ao Arquivo Histórico Municipal, que guarda os registros anteriores a 1930 do cemitério. Encontrou lá a preciosa informação: “sepultou-se no terreno perpétuo […] o cadáver de d. Maria Isabel de Alcantara Bourbon, Condessa de Iguaçu”. “Ela estava o tempo todo aqui, tão perto”, comenta. Perto, no caso, porque praticamente ao lado do, tantas vezes por ele visitado, túmulo da Marquesa de Santos.
Simples e sem adornos, o túmulo não traz qualquer registro do nome de Maria Isabel. “Não dá para saber se nunca houve ou se acabou se perdendo com o tempo. Mas agora acho relevante, afinal uma filha do primeiro imperador do Brasil está enterrada aqui.”
Há menções a outros dois nomes no jazigo. “Aparecem a avó, a viscondessa de Castro, mãe da Domitila, que depois foi retirada de lá e enterrada junto com a filha; e o comendador Felício Pinto Coelho de Mendonça e Castro, filho mais velho de Domitila, fruto do seu primeiro casamento com o alferes Felício Pinto Coelho de Mendonça”, pontua. (AE)