Domingo, 12 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 7 de maio de 2020
Parece que os vírus, em geral, não se dão tão bem quando se atrevem a entrar em um organismo que tem doses adequadas de um mineral encontrado na carne de aves, no ovo, no atum e na sardinha, nas versões integrais do arroz e do trigo, entre outras boas fontes à mesa. E, claro, como é do selênio que estou falando, nessa lista desponta a brasileiríssima castanha-do-Pará.
Vou lhe dizer: se amanhã ou depois ficar provado de vez aquilo que acaba de mostrar um estudo liderado pela Universidade de Surrey, na Inglaterra, dará então para a gente deduzir que o novo coronavírus esbarraria em dificuldades diante dos consumidores fiéis da nossa castanha. Afinal, uma única unidade do petisco já guarda uma quantidade desse nutriente que equivaleria a até três filés de frango.
Não é de hoje o zunzunzum de que o selênio atrapalharia a progressão de algumas infecções virais. No início dos anos 2000, surgiram diversos trabalhos nessa direção com portadores do HIV. Na época, os cientistas começaram a notar que os soropositivos com uma concentração do mineral menor do que a desejável no plasma sanguíneo tinham mais infecções oportunistas e, infelizmente, morriam mais também.
Na contrapartida, aqueles portadores do HIV que engoliam suplementos de selênio com orientação médica sofriam menos dessas complicações e tinham menos internações no prontuário. O selênio na dose certa — ou seja, 55 microgramas todo santo dia por meio da dieta — parece ainda evitar que pessoas com hepatite B ou C acabem desenvolvendo, com o passar dos anos, um câncer no fígado.
Veio de trabalhos assim a sacada de pesquisadores do Royal Sussex County Hospital, também na Inglaterra, de seus colegas americanos da Universidade da Carolina do Norte e de chineses da Anhui Agricultural University. Todos trabalharam em parceria porque se perguntaram: e se o selênio também der uma leve rasteira no novo coronavírus como aparentemente faz com o HIV e com os vírus das hepatites?
A tentação de buscar a resposta era ainda maior porque a covid-19 explodiu justamente na China. As diferenças geográficas dentro desse país gigantesco, especialmente as do solo que às vezes oferece bem mais ou bem menos do nutriente à cadeia alimentar, faz com que, ali, coexistam populações com as maiores taxas de selênio circulando pelas veias de todo o planeta e pessoas que, muito pelo contrário, exibem as piores dosagens de selênio no mundo inteiro.
Os pesquisadores tinham o que precisavam para fazer comparações: um número mais do que o razoável de chineses com covid-19 e regiões famosas pela deficiência do mineral. Que, se o que imaginavam fizesse sentido, somariam um alto número de mortos por causa da infecção. Não deu em outra.
Examinando províncias com mais de 200 casos da doença, os cientistas perceberam o seguinte: nas áreas da China em que o cardápio padrão abastecia suficientemente as pessoas do mineral, as estatísticas indicavam que os pacientes tinham maior probabilidade de se recuperaram da infecção. Por exemplo, na cidade de Enshi, na província de Hubei, que tem o maior consumo de fontes de selênio em todo o país, a porcentagem de pessoas curadas de covid-19 foi cerca de três vezes maior do que a de outros municípios na mesma Hubei, nas quais não havia tanta fartura de selênio.
Já em Heilongjiang — reconhecida no mundo da nutrição por ter um dos mais baixos níveis de consumo de selênio — a mortalidade por covid-19 foi, em média, cinco vezes maior, comparando essa província com outras regiões chinesas. Mais do que comparar números de mortos e alimentação, os pesquisadores foram a campo e dosaram o selênio no fio de cabelos dos pacientes de 17 cidades chinesas. E a conclusão deles: quanto mais elevada a dosagem média do micronutriente em determinada população, maior o número de indivíduos com covid-19 que ficaram bem depois de tratados e tiveram alta hospitalar.
“O principal papel do selênio é agir como um potente antioxidante, atuando ao lado da vitamina E”, explica a nutricionista Silvia Cozzolino, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, considerada a nossa maior conhecedora do mineral, foco de diversas de suas pesquisas. “Em uma infecção por vírus, em especial, há uma enorme descarga de radicais livres. Isso, no final das contas, em vez de ajudar as defesas, atrapalha. Portanto o selênio, como um bom antioxidante, auxiliaria o sistema imunológico ao diminuir essa produção.”
No entanto, a professora admite: “Nós ainda não sabemos de todos os mecanismos desse micronutriente e é possível que, nessa história de infecções virais, existam outras coisas por trás”.
Segundo, o próprio estudo recém-publicado faz o alerta de que o melhor é manter a despensa cheia de alimentos com selênio, em vez de buscar o mineral na caixa de remédios.
Porém, na mesma hora a professora fez a ressalva: “Hoje, se me perguntarem sobre suplementação, eu diria que os idosos precisam dela, sim. Sempre em dosagens próximas da recomendação diária e, claro, com orientação de um profissional de saúde”.
Fato estranho, já que Silvia é a maior defensora de uma dieta variada. Ela logo justificou: “Vamos assumir que os idosos, em geral, se alimentam mal. E, mesmo quando comem, já não absorvem tão bem os nutrientes”, informa. Ela lembra de mais um fator: pessoas mais velhas costumam engolir vários medicamentos todos os dias.
“Esses remédios também podem interferir negativamente na atuação do mineral”, observa.
Ela chama ainda a atenção para outros nutrientes que trabalham em prol do sistema imunológico: o zinco, a vitamina A, a vitamina D… “A gente sempre fala desses micronutrientes nas aulas e durante entrevistas, mas parece que é preciso uma situação dessas, como a da pandemia, para as pessoas entenderem a sua importância”, lamenta.