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Por Redação O Sul | 18 de agosto de 2019
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) abriu para consulta pública, por 60 dias, duas propostas que visam a regulamentação da cannabis medicinal no Brasil. Uma trata do plantio da maconha para fins medicinais e científicos, e a outra, do registro de medicamento à base da planta. A consulta, que termina nesta segunda-feira, angariou quase mil manifestações, feitas sobretudo por pessoas físicas, interessadas em debater as propostas antes da resolução final. As informações são do jornal O Globo.
A ideia é que o processo de regulamentação seja concluído até novembro, como disse o presidente da Anvisa, William Dib.
Até lá, o órgão reunirá as manifestações, cujo tom é sobretudo de apoio, ainda que com ressalvas, às propostas que abrem caminho para a produção nacional de canabidiol.
A demanda pelo extrato de cannabis, segundo dados da Anvisa, é crescente: só no primeiro semestre deste ano, a agência recebeu 3.101 pedidos de autorização para importação do produto, número que se aproxima do total de solicitações do ano passado (3.613). Epilepsia, autismo e dor crônica são os principais diagnósticos para as demandas.
Se a agência propõe regulamentar a cannabis medicinal no País até o fim do ano, o governo, por outro lado, mostra resistência ao tema. O ministro da Cidadania , Osmar Terra , já afirmou que William Dib estaria liderando um movimento a favor da legalização das drogas. O presidente Jair Bolsonaro , por sua vez, disse “estar na linha” de seu ministro. Ele, no entanto, não tem poder para derrubar uma norma da Anvisa, salvo com uma ação judicial. A agência tem autonomia garantida por lei.
A reportagem ouviu algumas das vozes que se manifestaram no debate proposto pela Anvisa. As críticas se concentram em especial no fato de a agência restringir o plantio da maconha a pessoas jurídicas e impor critérios, como o cultivo em área fechada, que tendem a encarecer a produção, limitando-a a grandes empresas, e não a associações e pacientes que hoje trabalham entre si para extrair o produto e baratear o alto custo da importação do medicamento.
Sobre as críticas, a Anvisa responde que vai “captar todas as contribuições para o aperfeiçoamento da norma” e informa que seu papel “está legalmente restrito à discussão sobre produção de medicamentos e a comprovação de segurança e eficácia desses produtos, como é feito para qualquer medicamento”.
“Esse assunto deve ser regulamentado adequadamente. Nesse sentido, a consulta pública está correta, e o Conselho Federal de Medicina , por estar inserido diretamente na questão, precisa ser chamado para a elaboração do texto final. Mas, em princípio, o conselho não está de acordo com as propostas da Anvisa. Porque o número de estudos científicos de valor ainda é muito pequeno para autorizar o cultivo da cannabis com a finalidade de produzir o canabidiol. Em medicina, a gente tem que observar não só os benefícios que a substância farmacológica vai trazer ao paciente, mas seus efeitos colaterais, os problemas que poderá trazer. E não sabemos os danos que podem vir com o uso prolongado de derivados da cannabis”, diz Salomão Rodrigues, psiquiatra e membro do Conselho Federal de Medicina.
“Estamos há 30 anos no mercado de extração de princípios ativos vegetais e nos propomos a ser fornecedores dos insumos à indústria que levará os produtos ao cliente. Concordamos com a iniciativa da Anvisa. O que nos preocupa é a demora, pois estamos atrasados em relação a outros países. E nossa principal ressalva está no fato de a Anvisa estar centrada na cannabis, e não criar uma regulamentação para o cânhamo (variedade com baixa concentração de THC). Para a produção de canabidiol, a planta rica nesse componente é o cânhamo. É este que é regulamentado, por exemplo, em Portugal, desfrutando de plantio outdoor em escala. Com tantas exigências, podemos não ficar internacionalmente competitivos”, diz José Henrique Nunes Barreto, presidente da Stevia Soul.
“É importante que a Anvisa esteja discutindo a maconha medicinal, mas é preocupante que o viés seja tão econômico. A proposta exige, por exemplo, praticamente um carro-forte para transportar a planta. Para as universidades, isso seria inviável. Não acho ruim que as empresas entrem, mas não só as grandes, porque, como está proposto, ninguém pequeno vai ter como plantar e produzir. O Mevatyl (medicamento à base de cannabis vendido no Brasil) custa R$ 2,8 mil. Grosso modo, é como se a maconha medicinal estivesse legalizada no Brasil para os ricos. O que estamos discutindo aqui é o acesso para a população de baixa renda, que, se não puder plantar em casa, continuará sem conseguir o medicamento”, Sidarta Ribeiro, coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política de Drogas.