Segunda-feira, 23 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 14 de maio de 2021
É falso que a mortalidade da covid-19 na Suíça tenha aumentado quase quatro vezes após o país europeu ter “banido” a hidroxicloroquina do tratamento contra o novo coronavírus. A alegação enganosa foi citada durante uma entrevista de um canal no YouTube, que usa como fonte um artigo de um site francês que se baseou em posts de redes sociais e não se sustenta quando comparado aos dados oficiais.
Quem deu voz a essa alegação foi Naomi Yamaguchi, irmã da médica Nise Yamaguchi, defensora da cloroquina para o tratamento da covid-19. Ela diz que o site France Soir divulgou que a “taxa de mortalidade” na Suíça foi de 3% para 11,5%, em um período de duas semanas após o país europeu ter “banido” a hidroxicloroquina do tratamento da covid-19.
O site ainda teria dito que o “banimento” do medicamento ocorreu por causa da publicação de um estudo que teria relacionado o uso do remédio a maior mortalidade e ocorrência de arritmias cardíacas, em 27 de maio de 2020. A pesquisa acabou retratada duas semanas depois.
O Escritório Federal de Saúde Pública da Suíça negou que o texto do France Soir seja verdadeiro e disse ao Estadão Verifica por meio de nota que solicitou ao site que corrigisse algumas imprecisões, mas que isso não foi feito. “De acordo com os dados oficiais, não vemos um aumento no número de mortes na Suíça no período citado”, informou o órgão.
“De fato, ocorreu o oposto: registramos apenas 4 mortes nas duas primeiras semanas de junho, contra 22 mortes nas duas semanas anteriores. Portanto, não podemos demonstrar a eficácia (nem a ineficácia) da hidroxicloroquina com base nos dados utilizados pelo site.”
É preciso dizer que Naomi confunde a taxa de mortalidade com a taxa de letalidade. A taxa de mortalidade mostra o número de pessoas de um país que morreram por uma doença e é calculada em óbitos a cada grupo de 100 mil habitantes, não em porcentagem.
Na Suíça, este índice era, nesta sexta-feira (14), de 117,75 mortes por 100 mil habitantes. Já a taxa de letalidade é a porcentagem de pessoas infectadas que vem a óbito e serve para indicar a gravidade da doença. O Estadão Verifica, serviço de checagem de informações do jornal O Estado de S. Paulo, conferiu a evolução deste índice entre 15 de maio e 15 de junho de 2020, período que compreende a publicação e despublicação do estudo citado. As fontes para a consulta foram o site do Escritório Federal de Saúde Pública da Suíça e o site da Universidade Johns Hopkins, referência no acompanhamento da pandemia no mundo.
Os dois bancos de dados possuem números diferentes, mas nenhum dos dois aponta que a taxa de letalidade suíça atingiu as marcas sugeridas por Naomi nem apresentou o aumento citado. Segundo dados do Escritório Federal de Saúde Pública da Suíça, a taxa de letalidade variou entre 5,54% e 5,58% no período. Utilizando-se os dados disponibilizados pela universidade Johns Hopkins, o índice variou de 6,15% a 6,24%.
Olhando-se os gráficos do órgão de saúde suíço, é possível ver que o país europeu chegou a ter uma média móvel de 55 mortes por dia no começo de abril de 2020. Esse número ficou em queda constante até atingir 0 mortes no último dia de maio. Esta média móvel se manteve estável e abaixo de 1 até o final de agosto.
Ou seja, no período citado por Naomi, a Suíça registrava zero morte por dia e se manteve em níveis baixos posteriormente. A mesma tendência é observada nos dados da universidade Johns Hopkins.
Sobre a diferença entre os números suíços e os da Universidade Johns Hopkins, o órgão de saúde federal disse que contabiliza os casos de morte confirmadas em laboratório registrados pelas 26 regiões administrativas do país. Tentamos contato com a universidade norte-americana, mas não obtivemos resposta até a publicação desta checagem.
A cloroquina foi desenvolvida na década de 1930 pela empresa alemã Bayer e recebeu o nome comercial Resochin. Ela tem uso regulamentado para tratar pacientes com malária, lúpus e artrite reumatoide. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Food and Drugs Administration (FDA), dos Estados Unidos, não recomendam seu uso contra a covid-19 pela falta de evidências científicas de sua eficácia.
Ineficácia
A utilização da hidroxicloroquina e da cloroquina no tratamento de pacientes com covid-19 foi inicialmente endossada por médicos do Sul da França. O estudo que justificava o tratamento, no entanto, acabou amplamente contestado. Uma revisão feita por outros médicos apontou dez erros metodológicos “grosseiros” que fazem com que o estudo “não permita tirar conclusão alguma”.
A revisão também chama o estudo de “irresponsável” por endossar o tratamento, tendo vista os potenciais efeitos colaterais da hidroxicloroquina e a alta na procura do remédio.
De lá para cá, o medicamento foi colocado à prova em diversos estudos e os mais robustos, que seguiram o padrão randomizado duplo-cego, padrão ouro de pesquisas científicas, provaram a sua ineficácia contra a covid-19. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou “fortemente” que a hidroxicloroquina não seja utilizada como prevenção contra o novo coronavírus e deixe de ser prioridade em pesquisas científicas.
A decisão foi tomada após seis estudos com 6 mil pacientes mostrarem que a droga não teve efeito significativo na redução de casos e “provavelmente” aumenta o risco de efeitos adversos.