Sábado, 08 de novembro de 2025
Por Redação O Sul | 24 de janeiro de 2020
Com a decisão do TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) em admitir recurso especial do MP (Ministério Público) contra o acórdão da 5ª Câmara Criminal que absolveu um motorista de aplicativo condenado em primeira instância pelo estupro de uma passageira, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) analisará a demanda dos promotores, que pedem a condenação do réu. O suposto crime aconteceu em 2017.
Na avaliação da 2ª Vice-Presidência da Corte gaúcha, o acórdão violou os artigos 28, inciso II (embriaguez não exclui a culpabilidade), bem como o parágrafo 1º do Código Penal (estupro de vulnerável), “razão pela qual deve ser admitido o recurso especial”. O recurso especial frisa que, no acórdão que inocentou o réu, a 5ª Câmara Criminal omitiu, depoimentos de testemunhas de acusação, uma das quais relatou, sobre a vítima:
“Ela estava bastante bêbada (…) e já um pouco desmaiada, então o segurança da casa noturna ajudou a gente a trazer ela pra fora da festa, ali fora a gente ficou um tempo conseguindo acessar o celular dela, que ela não conseguia lembrar a senha do celular, aí quando ela conseguiu lembrar a senha, a gente chamou o Cabify e colocou ela no banco de trás”.
Outra testemunha disse: “Minha amiga apagou, não conseguia nem colocar a senha do celular”. Esses depoimentos, prestados ao juiz de primeira instância, foram levados em consideração para a condenação.
Outro ponto apontado pela Procuradoria de Recursos é que o acórdão refere que “a vítima admitiu que por vezes já se colocava nesse tipo de situação de risco, ou seja, de beber e depois não lembrar do que aconteceu”. Nesse sentido, a decisão admite que, durante o ato sexual com o motorista, a mulher estava em situação de risco – confirmando, portanto, a vulnerabilidade e incapacidade da vítima durante o fato narrado pela denúncia, o que confirma a ocorrência do crime previsto no Código Penal.
O acórdão recorrido “tem como viés a culpabilização da vítima, considerando o seu histórico (supostamente desabonador, de ‘por vezes’ consumir bebidas alcoólicas) como fundamento para afastar a responsabilidade do réu”, pontua o recurso especial.
Outra compreensão do MP é de que a decisão se mostra contraditória ao reiterar que a vítima “afirmou não lembrar de nada” como fundamento para a absolvição, na medida em que tal circunstância apenas evidencia o estado de absoluta incapacidade em que se encontrava quando foi violentada.
O recurso especial frisa que o acórdão tomou a suposta irresponsabilidade de pessoas que confirmaram ter presenciado a absoluta incapacidade da vítima e não terem adotado outras medidas para a sua proteção como fundamento para a absolvição:
“Não se pode ignorar ser razoável que as testemunhas que acompanhavam a vítima e a colocaram dentro do veículo em estado severo de embriaguez presumissem a idoneidade de motorista regularmente inscrito em aplicativo, destinado exatamente ao transporte de passageiros”.
Entenda o caso
Em agosto do ano passado, a imprensa repercutiu a decisão polêmica da 5ª Câmara Criminal do TJ-RS, que absolveu por falta de provas um motorista de aplicativo de transporte particular que havia sido condenado a dez anos de prisão pelo estupro de uma passageira em Porto Alegre. O caso aconteceu no início de 2017 e a primeira sentença havia sido proferida em dezembro do ano passado.
Outras duas pessoas haviam solicitado um carro durante uma festa em casa noturna no bairro Cidade Baixa, a fim de levar a mulher para casa, em estado de embriaguez. Ao chegar no destino da corrida, o condutor teria descido do veículo e levado a jovem até o quarto dela, onde ocorreu uma relação sexual não consentida. A vítima relatou ter acordado, no dia seguinte, com hematomas e sem o seu telefone celular.
Na tentativa de localizar o aparelho, ela ligou para o seu próprio número e foi atendida pelo motorista: ele teria perguntado se ela sofria de alguma doença sexualmente transmissível e ainda exigido R$ 50 para devolver o objeto. Ao devolver o telefone, ele supostamente apelou para o argumento de que é casado e tem família para sustentar, a fim de convencer a passageira a não registrar denúncia.
Dessa forma, o magistrado ponderou que não era procedente a alegação dos advogados de defesa do réu, segundo os quais a vítima teria recobrado a consciência durante o trajeto, a ponto de conversar e depois manter relações sexuais com o homem.
Na segunda instância, porém, a 5ª Câmara Criminal considerou haver diversos motivos para que o réu fosse absolvido. Eles levaram em conta, por exemplo, o fato de a vítima ter admitido o consumo de álcool no dia do suposto crime sexual, o que teria acontecido “por sua livre e espontânea vontade, colocando-se em situação de risco”.
(Marcello Campos)