Domingo, 28 de setembro de 2025
Por Redação O Sul | 27 de setembro de 2025
A se concretizar o anunciado encontro entre Lula e Donald Trump, será possível enfraquecer o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e a ala mais extremista do governo norte-americano, com impacto no modo como a Casa Branca enxerga as eleições brasileiras de 2026. A análise é de Roberto Abdenur, embaixador do Brasil em Washington entre 2004 e 2006, em entrevista a revista CartaCapital.
Para o experiente diplomata, não importa o local da reunião — poderia ser um país neutro, como Malásia e Itália, ou mesmo na residência de Trump na Flórida. Abdenur avalia que a agenda será positiva mesmo que não produza resultados concretos imediatos, uma vez que reduzirá a influência de visões contrárias ao Brasil no governo dos Estados Unidos.
Segundo o ex-embaixador, Lula tem um amplo leque de opções a discutir com Trump para reverter o tarifaço aplicado sobre as importações brasileiras: da relação com as big techs a taxas comerciais, passando por terras raras e data centers.
Roberto Abdenur tem uma rica trajetória diplomática: chegou ao Itamaraty em 1963 e se afastou em 2007. Testemunhou da Guerra Fria à invasão do Iraque, passando pelo fim da União Soviética.
Veja destaques da entrevista:
1) A reunião pode acontecer em um local neutro, como Kuala Lampur ou Roma, como se cogita?
Fala-se até sobre a hipótese de Lula ir a Mar-a-Lago, o que seria extraordinário, um gesto muito grande de Lula ao deslocar-se especificamente para ver Trump. De outro lado, um gesto de Trump ao receber Lula em sua casa.
É uma hipótese que me parece um pouco longa demais. Não importa onde ou quando seja o encontro — claramente não será na semana que vem, porque está sendo preparado.
2) O que a postura de Trump indica sobre esse encontro?
Vejo isso tudo com um otimismo muito cauteloso, porque Trump é uma pessoa imprevisível, é impulsivo e muito emocional.
Ele disse que só negocia e só se entende com pessoas de quem gosta. É um grave erro, porque em política externa você não pode se limitar a conversar com chefes de governos dos quais você gosta. Você tem de falar com quem é necessário falar, com quem há interesse do seu país em jogo, seja ou não uma pessoa agradável para você.
3) O que o Brasil pode oferecer na conversa com Trump?
Há um escopo muito amplo de áreas em que o Brasil pode trabalhar positivamente com os Estados Unidos em benefício de ambas as partes.
No caso das big techs, que são um apoio a ele — e ele as apoia de maneira quase incontida —, o Brasil não deve deixar de regulá-las. Ao contrário, isso já está feito. A União Europeia também fez, outros países estão fazendo.
O que o Brasil pode dizer é: podemos cooperar com vocês. O Brasil é um grande mercado para essas big techs e pode cooperar, por exemplo, nos data centers de inteligência artificial. A área de inteligência artificial é interessante e há possibilidades promissoras de trabalho conjunto.
Os data centers exigem uma quantidade absurda de energia elétrica e o Brasil tem um dispositivo elétrico nacional muito rico em opções, muito limpo, e pode oferecer isso aos Estados Unidos.
No comércio, o Brasil pode oferecer a redução de tarifas em alguns produtos de interesse dos Estados Unidos. O Brasil é um país muito fechado, muito protecionista, com tarifas muito altas.
É do próprio interesse do Brasil, em alguns casos, reduzir tarifas de importação, não para os Estados Unidos especificamente.
E o Brasil tem muito a oferecer em oportunidades para empresas americanas e em termos de relacionamento de Estado.
4) Como fazem China e Brasil…
Uma comparação: quando Xi Jinping esteve aqui na reunião do G20, no ano passado, fez uma visita bilateral oficial. Ao fim dessa visita, ele assinou nada menos que cerca de 30 entendimentos dos mais variados setores. Quantos acordos o Brasil assinou com os Estados Unidos nas últimas décadas? Quase nada.
Os Estados Unidos estão perdendo terreno para a China no mundo inteiro, porque a China está em uma ofensiva comercial, econômica e diplomática extraordinariamente criativa e até generosa em alguns aspectos, enquanto os Estados Unidos estão parados.
5) E há o fator da extrema-direita brasileira…
Por trás das atitudes até agora do governo americano, ainda há claramente um desiderato de debilitar o governo Lula, porque é de esquerda, e gerar condições para que em 2026 seja eleito um governo não só simpático, mas submisso aos Estados Unidos, como foi o governo Bolsonaro.
Agora, essa disposição de Trump de falar com Lula, se for bem aproveitada, pode jogar isso fora, inverter o jogo e fazer com que os Estados Unidos e o Brasil passem a ser parceiros.
O Brasil é para os Estados Unidos uma oportunidade diplomática, política e econômica que está sendo maltratada quando devia ser cortejada, como é o caso da China. (Com informações da revista CartaCapital)