Quarta-feira, 14 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 17 de julho de 2022
O mercado de trabalho americano é o mais aquecido em duas décadas. A tendência é impulsionada pelo fenômeno que ficou conhecido como “A grande renúncia”, quando um número recorde de pessoas deixou seus empregos após o início da pandemia, em 2020. Em 2021, 47,4 milhões de trabalhadores largaram seus trabalhos por vontade própria, volume nunca visto. Este ano, a média está acima das 4 milhões de desistências voluntárias por mês, segundo o Departamento do Trabalho dos Estados Unidos.
Após um período de trabalho em casa sem deslocamento, muitos americanos decidiram que o equilíbrio entre vida profissional e pessoal se tornou mais importante, por isso estão mudando de emprego e de setor, passando de funções tradicionais para não tradicionais, se aposentando mais cedo ou iniciando seus próprios negócios. Outros optaram por embarcar em anos sabáticos, segundo pesquisas da consultoria McKinsey.
— Para muitos americanos em idade economicamente ativa, o momento é oportuno: as empresas estão desesperadas para contratar mais gente e os salários estão subindo relativamente rápido — afirma David Wilcox, economista sênior do Peterson Institute for International Economics e analista da Bloomberg. — A taxa de desistência é alta porque as pessoas estão confiantes de que encontrarão um emprego melhor, mais satisfatório.
Cenário macroeconômico
Mas este aparente céu azul não explica todo o cenário macroeconômico dos Estados Unidos. De acordo com o economista brasileiro Otaviano Canuto, membro sênior do Policy Center for the New South e ex-vice-presidente do Banco Mundial, a escassez de mão de obra também passa pelo desabamento da imigração e da participação das mulheres no mercado de trabalho.
Estima-se que dois milhões a menos de imigrantes em idade economicamente ativa entraram nos EUA nos últimos dois anos, devido às restrições sanitárias e ao aperto regulatório, afirma Canuto. Desse total, metade seria de trabalhadores com ensino superior, de acordo com economistas da Universidade da Califórnia.
A taxa de participação das mulheres com 20 anos ou mais no mercado de trabalho também está abaixo dos níveis pré-pandêmicos, em torno de 58%, o que significa um déficit de mais de 2 milhões de mulheres economicamente ativas, segundo dados de junho do Escritório de Estatísticas Trabalhistas dos EUA.
Soma-se a isso uma mudança demográfica do país, que está envelhecendo e perdendo população economicamente ativa, ainda que lentamente.
Para David Wilcox, porém, a escassez de mão de obra nos EUA é resultado, essencialmente, da lei da oferta e da procura. De acordo com o economista, as políticas fiscal e monetária do governo de Joe Biden, que “injetaram uma grande quantidade de suporte financeiro no sistema, ao mesmo tempo em que mantinham as taxas de juros baixas”, fizeram com que a economia americana se recuperasse com muito mais força e num tempo muito menor do que se previa após o colapso provocado pela Covid.
— É o mercado de trabalho mais aquecido em pelo menos duas décadas, o que leva as empresas a quererem contratar mais e mais funcionários, para aumentar a produção e o lucro, especialmente nas áreas de bens e serviço — explica. — Mas essa demanda excede muito a oferta de mão de obra.
Positivo e negativo
O superaquecimento do mercado tem consequências positivas, diz Wilcox: aumenta a confiança dos trabalhadores de média e alta renda e promove ganhos salariais nominais, principalmente para funções de menor qualificação, geralmente ocupadas por negros, imigrantes e pessoas de baixa escolaridade e renda. No entanto, a situação não é economicamente sustentável, pois leva a atrasos dos serviços e carência de produtos e pode ser um fator inflacionário.
A taxa de desemprego hoje nos EUA está em 3,6%, a menor desde fevereiro de 2020, quando foi de 3,8%, e pouco acima dos 3,5% do período pré-pandemia. O país tem 5,9 milhões de desempregados, ou seja, pessoas que procuram trabalho, dos quais só 1,3 milhão (ou 22,6%) de longa duração ( 27 semanas ou mais).
Por outro lado, foram anunciadas 11,3 milhões de vagas de emprego em maio, 11,7 milhões em abril e 11,9 milhões em março, o nível mais alto em mais de 20 anos. Há quase duas vagas para cada desempregado nos EUA, uma forte reversão do padrão histórico: antes da pandemia, sempre havia mais desempregados do que empregos disponíveis.
— Num primeiro momento, o cenário pode até parecer positivo, com muita oferta de trabalho e as pessoas ganhando mais. Mas a situação precisa ser corrigida, sob risco de o país entrar em recessão — afirma Wilcox.