Domingo, 15 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 6 de fevereiro de 2023
Para o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central (BC), o novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva faz uma retrospectiva do governo de Dilma Rousseff (2011 a 2016). “Não é mais uma questão de raciocínio. Não somos desafiados a pensar em problemas novos. Meu único desafio agora é ver se consigo resistir à decadência da memória e lembrar o que eu consigo do governo Dilma, porque estamos indo para o mesmo caminho”, diz.
Ele ressalta que o País está em um momento “inédito” de aumento de gasto público, à exceção do período mais agudo da pandemia. E as contrapartidas propostas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), seriam quase ineficientes para frear o descontrole.
Em janeiro, Haddad anunciou um pacote econômico para ajustar as contas públicas e lidar com um déficit de R$ 231,5 bilhões no Orçamento. Entre as principais medidas para endireitar as contas públicas estava o Litígio Zero, programa de renegociação de dívidas tributária semelhante aos antigos Refis.
“É um pacote de um amadorismo de ruborizar qualquer um que entenda a situação”, afirma Schwartsman. “É o padrão falta de noção.”
1) Como você avalia o primeiro mês do governo Lula?
Surpreendeu aqueles que realmente queriam ser surpreendidos, o pessoal que apostou que seria um replay em larga escala do que foi o primeiro governo Lula, com pragmatismo, uma política fiscal responsável. O que vimos foi o anunciado ao longo da campanha. A ideia de que “gasto é vida” sendo ressuscitada. Estamos em um momento praticamente inédito do gasto, exceto pelo que aconteceu em 2020 por conta da pandemia. Há más ideias sendo circuladas. A mais gritante delas é a de alterar a meta de inflação, e há outras mais exóticas, como a criação de uma moeda comum com a Argentina.
2) Por que a ideia de moeda comum de Brasil e Argentina soa tão absurda?
Ela soa absurda porque ela é. Por que a Argentina quer a moeda única? Porque o país tem uma escassez permanente de dólares. É tão simples quanto isso. Em particular, o Brasil tem um peso enorme para eles. Cerca de 20% das importações argentinas são do Brasil, e 15% do que eles exportam vem pra cá. Se eles conseguissem não gastar os dólares deles para comprar do Brasil, seria o melhor dos mundos. Argentina, no quesito de comércio internacional, não chega a ser irrelevante, mas não é muito importante.
3) Mas qual seria o efeito prático dessa ideia?
O Brasil acumula créditos com a Argentina e passa a se tornar credor de um país que tem notoriamente dificuldades em pagar suas contas. Ou seja, passamos a tomar um risco de crédito na Argentina sem nada muito grande em troca. Mesmo se nós conseguíssemos aumentar muito as exportações brasileiras, isso faria uma diferença ridícula. Não tem nenhum sentido, é puramente um subsídio para a Argentina.
4) Tendo em vista o aumento do risco fiscal, quais deveriam ser os próximos passos do Banco Central com a Selic?
Estamos falando do maior aumento de déficit público da história do Brasil, exceto pelo que aconteceu em 2020, com a pandemia. Temos um mercado de trabalho muito mais apertado do que em 2020. Nesse contexto, você joga um caminhão de demanda na economia. Não tem o menor espaço para o Banco Central cortar juros. O debate poderia ser, inclusive, quanto de juros o Banco Central teria de subir, o que eu acho que não vai acontecer. Estamos caminhando para uma inflação na casa de 6% ou mais para este ano. Provavelmente, teremos uma inflação também acima da meta em 2024. Como cortar juros em 2023? Não tem a menor condição.
5) A renda fixa terá mais um ano como protagonista dos investimentos?
Você está sendo otimista falando de apenas mais um ano. Vamos conviver com um juro bastante atraente durante muito tempo.
6) O investidor estrangeiro está preocupado com a nova gestão no Brasil?
O investidor estrangeiro não está preocupado. Não está dentro do radar “apoiar” ou “desapoiar” o Lula. Por mais que exista sempre um militante de plantão, a preocupação é muito estreita. Quem está aqui tem talvez uma visão mais negativa. Já pessoa que está lá fora pode ter uma visão mais benigna. A principal diferença é que o estrangeiro que investe no Brasil tem apenas uma fração da sua carteira aqui. O brasileiro, se não tiver 100% do seu portfólio investido no mercado doméstico, tem 90% ou 95%. A tolerância a risco associado a Brasil é muito menor no investidor local do que no estrangeiro. Quem tem várias coisas no seu portfólio pode se dar ao luxo de tomar mais risco do que o operador brasileiro, que está com todos os ovos na mesma cesta.