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Porto Alegre Ex-diretor municipal não vê novidade em conclusões de relatório holandês sobre enchentes em Porto Alegre

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Missão estrangeira entregou relatório à prefeitura, apontando falhas no sistema de proteção contra cheias. (Foto: Marcello Campos/O Sul)

Após a apresentação de relatório parcial sobre as enchentes de maio em Porto Alegre por uma equipe de especialistas holandeses, nesta semana, o engenheiro Vicente Rauber, ex-diretor do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP, extinto em 2017), afirma que as conclusões apontadas no documento não trazem novidades. Ele menciona um manifesto publicado no início da catástrofe por um grupo de ex-colegas, professores e especialistas de um grupo do qual faz parte.

Em mensagem enviada por e-mail à redação do jornal “O Sul”, Rauber elenca uma série de argumentos. Confira, a seguir, a íntegra do texto, intitulado “Reparos necessários às versões”.

Tão logo que a inundação generalizada foi ocorrendo em Porto Alegre, um grupo de 48 profissionais – ex-dirigentes de saneamento e áreas vinculadas, professores e pesquisadores – sentiram-se completamente indignados com o que viam. Comportas externas e casas de bombas vazando, a água do Guaíba invadindo ruas pela própria canalização e fazendo chafarizes em bocas-de-lobo. Ficaram ainda mais indignados quando viram que os defeitos não estavam sendo sanados com mergulhadores, profissionais especializados e usualmente atuantes nas atividades de saneamento a qualquer tempo.

O grupo redigiu então uma “Manifestação aos porto-alegrenses”, com um diagnóstico da situação e propostas emergenciais, com a cidade ainda inundada, e propostas para depois de as águas baixarem. A manifestação obteve ampla repercussão local, nacional e internacional, por sua importante contribuição para a solução dos problemas constatados. No entanto, foi mal compreendida. A reação dos dirigentes da prefeitura e do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) foi atacar os signatários e negá-la.

Preferiu-se, então, trazer uma ampla delegação holandesa que, após avaliar a situação, anunciou preliminarmente: “É necessário recuperar a integridade do sistema, fazer o monitoramento de seus níveis de integridade e monitorar vazões e ventos, com alertas à população”.

Ou seja, nada diferente do que nossa Manifestação, engenheiros do Dmae e especialistas em pesquisas hidráulicas, já haviam alertado. Frise-se: ‘recuperar a integridade’ é fazer a manutenção que deixou de ser feita.

É importante fazer uma troca de experiências com os holandeses, por todo seu conhecimento e experiência histórica. A questão ruim é como foram trazidos, para tentar negar o que era bem conhecido em nível local. Na segunda-feira, dia 19, a delegação entregou o relatório final à direção do Dmae, que somente divulgará sua íntegra daqui a dois meses. Porque escondê-la, se é de interesse público? Resolveu chamar uma entrevista coletiva para divulgar a sua versão.

Segundo informado, o relatório aborda centralmente três pontos: a baixa altura dos diques do Sarandi, a deficiências nas casas de bombas, que foram construídas em nível mais baixo.

Na entrevista, a palavra “manutenção” não esteve proibida. A versão apresentada é a de “existem problemas estruturais decorrentes da construção do sistema de proteção contra inundações”. Se assim realmente consta do relatório, é necessário perguntar qual fonte de informações foi dada à delegação holandesa.

Erro de projeto verifica-se no projeto. Ou seja, seria necessário revisar a documentação técnica do Departamento Nacional de Obras de Saneamento [DNOS, extinto em 1990] que estava arquivada no DEP, essencial para o exercício das atividades. Era usada permanentemente e foi base da publicação ‘Prevenir é o melhor remédio’. Certamente esta documentação não foi apresentada à delegação holandesa.

Anteriormente, um dirigente do Dmae já havia informado que esta documentação não existia no Dmae. Ou esta documentação está “escondida” ou foi realmente perdida, o que é gravíssimo: os responsáveis por transferir o DEP ao Dmae precisam responder por isso. 

Vamos aos fatos:

– Diques do Sarandi: Os principais diques são os diques Sarandi (Arroio das Pedras) e Fiergs (Arroio Santo Agostinho). Foram construídos nas alturas corretas, no caso, na cota 6,5 metros com a régua do antigo DNOS.
Estão sendo degradados há anos. Em relatório de 2018 para implantação dos diques no Arroio Feijó, de competência estadual por ser a divisa entre os municípios de Porto Alegre e Alvorada, a Fundação de Planejamento Metropolitano e Regional [Metroplan] alertou para a necessidade de recomposição destes diques. Este alerta foi encaminhado à prefeitura da Capital, para conhecimento e providências. Nada foi feito.

– Casas de bombas: igualmente foram construídas pelo DNOS, atendendo as recomendações dos engenheiros alemães. A altura dos motores nas Casas de Bombas está correta. As Casas de Bombas não foram feitas para operar inundadas. Aliás, todo o Sistema foi feito para proteger a Cidade e não para inundá-la. Atendem na melhor eficiência para mais de 95% das necessidades de operação. Com as águas subindo necessitam de mais potência. Com o crescimento da Cidade há necessidade de mais potencia para retirar as águas das chuvas.

Por isso, os Engenheiros do DEP, em 2014, elaboraram um Plano de ampliação e modernização das Casas de Bombas e obras no Arroio Moinho, para o qual a Presidente Dilma liberou R$ 124 milhões a fundo perdido (ratificados por Temer e Bolsonaro), perdidos em 2019 por falta de projeto executivo (DEP extinto em 2017). E a atual gestão, mesmo acumulando R$ 430 milhões em aplicações financeiras também não executou nada do programa em 5 anos.

– Fragilidades das comportas: Fala-se em atualização das comportas em 2010. O que aconteceu de fato: a última revisão com reformas foi realizada em 2020. Em informação oferecida pelo DMAE, para investimentos entre 2021 e 2024 não consta nenhum recurso destinado a comportas e casas de bombas.

“Malditas comportas”: Não possuem nenhuma manutenção desde 2020, mesmo tendo sido operadas em setembro e dezembro de 2023, quando, pelo menos nestas oportunidades deveriam ter sido registrados seus defeitos e contratadas as respectivas manutenções. Tempo e dinheiro não faltaram.

A comporta nº 3, próxima ao Tribunal de Contas do Estado [TCE] e importante acesso ao porto, em uma cena dantesca, foi arrancada em vez aberta devidamente. A seguir, em um rompante, foi anunciado que todas as comportas seriam substituídas. Ora, porque não revisá-las e verificar quais suas reais necessidades?

Agora anunciou-se que oito das 14 comportas externas seriam eliminadas, sendo concretadas estas aberturas. Em relação à de nº 14, que permite acesso aos clubes náuticos e outras importantes atividades da Zona Norte junto ao rio Gravataí, houve fortes manifestações públicas contrárias e a direção do Dmae resolveu retirá-la da relação. E as outras sete? Qual a justificativa para sua eliminação?

Conclusão: não há erro estrutural de projeto no sistema de proteção contra inundações de Porto Alegre. Há, sim, uma gestão que deixou de cumprir com seus compromissos públicos“.

Documento 

Representantes da equipe holandesa que esteve em Porto Alegre no mês de junho para avaliar o sistema de proteção contra enchentes e propor soluções entregou à prefeitura, na segunda-feira (19), um relatório final sobre o assunto, cuja íntegra deve ser publicada dentro de dois meses. O documento aponta uma série de problemas que contribuíram para o agravamento da situação na cidade.

A lista inclui erros técnicos de projeto e execução em diques (sobretudo na Zona Norte), falhas em Estações de Bombeamento de Águas Pluviais (Ebap) e deficiências no sistema de comportas, dentre outros itens detalhados durante evento na sede do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae). Um relatório preliminar já havia sido encaminhado ao Executivo da capital gaúcha.

“O sistema foi desenhado para determinado nível de cheia do Guaíba, mas o nível subiu bem mais”, declarou o chefe da missão do país europeu e conselheiro da agência, Ben Lamoree. Segundo ele, algumas das estruturas de contenção têm 4,5 metros de altura, quando deveriam ter 6 metros.

Lamoree também discorreu sobre o colapso de 20 das 23 Ebap. O problema principal, detalhou, foi o fato de estarem localizadas em locais com nível baixo – deveriam funcionar acima da cota de inundação dos diques.

Sobre as comportas, o diretor-geral do Dmae, Mauricio Loss, corroborou a análise da equipe visitante: “Achamos que estávamos protegidos e nunca estivemos para esse nível de chuva”.

As sugestões que constam no relatório – elaborado sem custos à administração municipal – incluem tópicos como disponibilizar capacidade de bombeamento temporário para situações de emergência e realizar monitoramento regular e de curto prazo no complexo de diques da cidade. Também foram propostas iniciativas no âmbito de gestão de crise e da criação de alertas antes e durante eventuais inundações.

Prefeitura adota tom genérico

Em seu site prefeitura.poa.br, a entrega do relatório foi noticiada de forma superficial, sem detalhamento das conclusões apresentadas pelos holandeses. O texto se concentra sobre a entrega em si e ações a serem desenvolvidas no curto prazo.

“O detalhamento entregue ao Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) inclui sugestões para curto, médio e longo prazo”, diz um trecho. “Foram feitos apontamentos no desenho e na execução dos diques, realizada entre as décadas de 1960 e 1970 na Zona Norte.” Menciona, ainda, que nos próximos dias serão realizadas obras emergenciais nos diques do Sarandi e Fiergs:

“Em paralelo, está sendo realizado o trabalho de sondagem para a continuidade do reforço na proteção da Zona Norte. As intervenções nas Ebap serão contratadas nas próximas semanas, a partir da entrega dos anteprojetos encomendados pelo Departamento. As casas de bombas passarão por elevação de painéis elétricos, substituição de motores e instalação de geradores. O Dmae fará, ainda, a substituição e fechamento de comportas”.

(Marcello Campos)

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