Sábado, 27 de dezembro de 2025
Por Redação O Sul | 17 de dezembro de 2025
Aos 15 anos, Fernanda Costa vivia um dia comum de qualquer adolescente. Na escola, a aula foi interrompida pela notícia que mudaria sua vida pra sempre: a mãe dela, Viviane, uma técnica de enfermagem de 36 anos, havia sido executada com quatro tiros a mando do ex-companheiro. Ficaram órfãs ela e a irmã, então com apenas 2 anos – e filha do homem que encomendou o crime, que já havia atentado contra ela antes.
“Ela era pequenininha quando aconteceu tudo, ainda mamava… Sempre chamava pela mãe e não entendia muito bem. Era uma criança muito doce, mas, quando completou 10 anos, soube quem era o responsável pela morte da nossa mãe e se fechou, ficou muito reclusa”, lembra Fernanda.
O crime ocorrido em maio de 2013, em Manaus, ilustra um cenário que insiste em assolar o Brasil. Levantamento do Laboratório de Estudos de Feminicídios (Lesfem), da Universidade Estadual de Londrina, aponta que, só no primeiro semestre deste ano, 683 crianças ficaram órfãs de mãe devido a histórias semelhantes, numa média de quatro por dia. O órgão contabiliza 950 vítimas de feminicídio no país entre janeiro e junho.
“Essa perda irreparável causa revolta e indignação, podendo gerar ciclos de violência de outras formas. Muitas crianças vão morar com outros familiares e, às vezes, até em abrigos. O dano social transforma a trajetória da criança e do adolescente, e repará-lo exige a necessidade de serviços públicos, benefícios e estruturas do Estado”, afirma Silvana Mariano, socióloga e coordenadora do Lesfem.
O Lesfem calcula que 39% dos feminicídios tentados ou consumados deram-se na casa das vítimas – ou seja, potencialmente diante dos filhos. Dos 2.978 casos, 722 (24,2%) foram cometidos por parceiros, coabitantes ou pessoas com vínculo sexual, além de 521 por ex-companheiros, evidenciando a proximidade entre a vítima e o feminicida.
“Foi difícil demais. Logo no início, precisei de acompanhamento psicológico, passei por terapias, tomei antidepressivos e tive crises de pânico. E ainda sofro com muita ansiedade, não consigo dizer se algum dia estarei 100% bem”, diz Fernanda, hoje uma enfermeira de 28 anos que acabou criada pela avó, enquanto a irmã ficou com uma tia que chama de mãe. “Ela (avó) falava que já tinha perdido uma filha e não iria perder também uma neta.”
Fernanda usou o TikTok para compartilhar o seu relato. Ao pesquisar na rede social a frase “Minha mãe foi morta pelo feminicídio”, surgem diversos vídeos nos quais usuários narram a perda materna para a violência de gênero.
Uma dessas histórias é a de Ellen Batista Goes, de 21 anos. Ela e as três irmãs, de 17, 11 e 4 anos, também tiveram a vida atravessada pelo feminicídio: a mãe delas, Gizele Ribeiro Batista, foi morta aos 38 anos por um suposto namorado em abril de 2025, no Pará, engrossando as estatísticas levantadas pelo Lesfem.
Gizele saiu de casa no domingo e “não voltou mais”, como conta Ellen. O corpo só foi achado na terça-feira, em um terreno baldio. Preso, o assassino confessou ter cavado a cova da comerciante três dias antes de matá-lá, em um crime premeditado.
“Minha irmã de 11 anos chora muito, está começando a desenvolver crises de ansiedade. Eu e a outra mais velha não tocamos muito no assunto, porque é muito doloroso lembrar, e a caçula ainda não entende muita coisa”, descreve a jovem, que precisou virar, ela própria, a responsável pela família. “Eu preciso dar o colo que elas precisam.”
William Rodrigues Costa sentiu na pele como é perder a mãe ainda na primeira infância. Aos 6 anos, a empregada doméstica Francilene Ferreira Rodrigues, à época com 27, foi esfaqueada pelo ex-namorado, que não aceitava o fim do relacionamento.
“O ano era 2007, e eu morava com minha mãe em São Paulo. No dia, ela disse que ia trabalhar e eu fiz birra para ir junto, implorei, mas ela não deixou. Mais tarde, enquanto jogava bola com amigos, uns meninos chegaram falando: ‘Eita, mataram sua mãe’”, recorda o jovem, hoje com 24 anos, que também dividiu a experiência no TikTok.
O assassino de Francilene fugiu após o crime e só foi preso em 2024, após 16 anos foragido. Neste período, “viveu tranquilamente na Bahia”, como diz William. Já o filho da vítima foi morar com o avô paterno em São Luís, no Maranhão, e desde então perdeu contato com a família materna. Ele admite que, durante a adolescência, chegou a pensar em suicídio.
“Virei uma criança muito estressada e revoltada. Qualquer coisa que acontecia, queria quebrar tudo. Com 16 ou 17 anos, entrei em depressão. Nesse tempo, andava nos piores lugares só para acontecer alguma coisa comigo.” As informações são do jornal O Globo.