Quinta-feira, 19 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 27 de fevereiro de 2022
“Pelo que entendi, não vai ter carnaval, mas vai ter carnaval”, dizia uma postagem que viralizou há dias na internet. Com o veto de governos para os festejos na rua, a mobilização por desfiles extraoficiais tem crescido nas redes sociais, especialmente no Rio. A expectativa é por cortejos quase secretos, sem equipamento de som e com divulgação inexistente ou apenas minutos antes do início, a fim de evitar multidões e problemas com a polícia e a prefeitura.
A movimentação ganhou força com a difusão de imagens de aglomerações em festas privadas – enquanto as públicas não são permitidas – como uma forma de “resistência” à “camarotização” da data. Especialistas destacaram, contudo, que a transmissão da covid-19 ainda é alta neste momento e o poder público deveria ter cancelado o ponto facultativo e desautorizado festejos neste período, tanto público quanto privados. Em Pernambuco, por exemplo, onde festejos não serão tolerados, a movimentação tem menos força.
A situação já levou a Prefeitura do Rio a se infiltrar em grupos de aplicativos de troca de mensagens para identificar possíveis blocos clandestinos. Na última semana, a gestão Eduardo Paes (PSD) diz ter encerrado dois desfiles, porém há relatos de outros não identificados. Um evento do tipo também chegou a ser registrado em Salvador.
Na prática, os prováveis cortejos não terão estandartes ou identificações de agremiações, para evitar sanções. Há discussões sobre optar por circuitos menos visados e horários alternativos, mas o resultado e o tamanho da adesão ainda são difíceis de mensurar.
Há a possibilidade deste ano repetir 1892 e 1912, quando a determinação de adiamento resultou em celebrações na data tradicional e na transferida. No primeiro caso, a motivação também foi sanitária, com o entendimento de que o verão seria uma época propícia à transmissão de doenças, especialmente a febre amarela. O outro foi motivado pela morte do Barão de Rio Branco, patrono da diplomacia, dias antes da festa.
As tradicionais listas com a programação dos quatro dias de carnaval deste ano estão apenas com os eventos autorizados, as festas privadas, tanto as gratuitas quanto as pagas. “Eu vou ter de ficar fantasiada o dia todo só esperando o momento de anunciarem o bloco clandestino surpresa?”, chegou a indagar uma foliã.
Em redes sociais, são constantes as publicações de foliões atrás de datas e roteiros de desfiles de rua. As respostas são em grande parte de outras pessoas falando que buscam a mesma informação ou dizendo que irão avisar por mensagem privada.
Tanto a participação em festas privadas quanto os cortejos informais não são unanimidade entre os blocos. Parte deles decidiu não se envolver com nenhum evento carnavalesco. O Sereias da Guanabara, no Rio, por exemplo, comunicou que “seguirão quietinhas, dentro de nossas conchas” e a liga que integra está em diálogo com a prefeitura para desfiles de rua em abril. A decisão foi elogiada por parte dos foliões.
Vontade reprimida
“Gente disposta a viver carnaval, claramente tem. Nas festas do pré-carnaval já tem muita gente fantasiada. Daqui até abril, vai crescer cada vez mais o número de (celebrações de) blocos na cidade. O Rio já tinha o hábito de ter bloco o ano inteiro”, comenta o pesquisador de carnaval e doutorando em Artes na Uerj, Tiago Ribeiro. “Há uma vontade de festejar reprimida.”
Grande parte dos grupos apoiou o cancelamento do carnaval de rua deste ano, por causa do avanço da Ômicron, porém o início de um possível declínio da transmissão e a multiplicação de eventos privados acabaram endossando o discurso de que o poder público liberou o carnaval para “os ricos”. No caso do Rio, essa posição se fortaleceu pelo próprio histórico da cidade, que tem uma abertura do carnaval não oficial desde 2009 (quando as inscrições passaram a ser exigida pelo Município), por exemplo.
São comuns desfiles não autorizados na capital fluminense, blocos“piratas” e “secretos” (sem divulgação ampla), no geral tolerados pelo poder público (salvo exceções), como lembra o pesquisador. Por outro lado, a postura dificulta a participação de foliões de fora dos bairros centrais e da zona sul.