Domingo, 30 de novembro de 2025
Por Redação O Sul | 30 de novembro de 2025
A fila de espera do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) voltou a crescer, o que acendeu um alerta de preocupação dentro do governo e, ao mesmo tempo, uma disputa interna sobre quem seria o culpado pelo elevado número de requerimentos aguardando análise. Para parte dos técnicos, o instituto tenta jogar a culpa da alta para a perícia médica, que está vinculada ao Ministério da Previdência Social, e à Dataprev, que ainda não teria atualizado o sistema com as novas regras para cálculo da renda do Benefício de Prestação Continuada (BPC). O INSS nega intenção de terceirizar responsabilidades.
Em outubro eram 2,86 milhões que requerimentos aguardando análise. É a chamada “fila do INSS”, ou seja, a quantidade de pedidos de aposentadoria, pensão ou de benefícios temporários ou assistenciais aguardando um retorno da autarquia para concessão. Esse número esteve abaixo de 2 milhões durante quase todo o ano de 2024, à exceção de dezembro.
Ao longo de 2025, a fila voltou a crescer, atingindo o primeiro pico em março, ao registrar 2,71 milhões de requerimentos. Com a reedição do programa de combate à fila, que prevê um pagamento de bônus aos servidores por análise extra dos requerimentos em espera, houve nova queda, para 2,44 milhões em junho. Em seguida, a fila voltou a crescer, atingindo novo pico de 2,86 milhões em outubro.
O INSS diz que alguns fatores ajudam a explicar o crescimento, entre eles, a mudança na metodologia de apuração da renda familiar considerada para concessão do BPC, um benefício assistencial pago a idosos a partir de 65 anos carentes e a pessoas com deficiência, também carentes, de qualquer idade.
A mudança na metodologia foi prevista no decreto nº 12.534/ 2025 e vale tanto para novos requerimentos quanto para processos já em tramitação. Esse decreto restringiu os rendimentos que são considerados para apuração da renda familiar. Com isso, muitos valores que antes não eram considerados para cálculo da renda passarão a ser.
O sistema usado pelo INSS ainda não foi atualizado pela Dataprev para considerar a nova metodologia, o que está gerando um sobrestamento de 660 mil pedidos de BPC aguardando análise em outubro, segundo o instituto. A Dataprev é a estatal de tecnologia da informação.
Em nota enviada ao jornal Valor Econômico, a Dataprev afirma que sua atuação está restrita ao desenvolvimento e operação dos sistemas usados pelo INSS. “A análise dos requerimentos, bem como a aplicação das regras de negócio e a decisão quanto à concessão dos benefícios, competem exclusivamente ao cliente. A Dataprev cumpre os prazos e níveis de serviço estabelecidos em seus contratos e acordos operacionais, não sendo responsável pela composição ou formação de filas de requerimentos de benefícios, embora permaneça totalmente comprometida em contribuir, nos limites de sua atuação, para o enfrentamento desse cenário”, diz.
A estatal não deu mais explicações sobre a demora para adequação do sistema nem prazo de atualização. Segundo apurou o Valor, a previsão é que o sistema atualizado seja entregue na semana que vem, o que resolveria parte desse gargalo da fila.
Mas o INSS argumenta que pode agir apenas por 920 mil dos 2,862 milhões de requerimentos na fila, porque a maioria dos pedidos depende de informações complementares dos requerentes, de perícia médica federal ou do sistema atualizado da Dataprev para processar o BPC.
Há uma leitura entre especialistas, compartilhada por alguns técnicos do governo, que o INSS está tentando terceirizar a culpa da fila para o Ministério da Previdência Social, responsável pela perícia médica, para a Dataprev e para o BPC, que, apesar de ser concedido pelo INSS, é uma política do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Procurado, o INSS afirma que abriu os dados para dar transparência e diz que os próprios números apontam que mais da metade da fila atual é por fatores alheios à governança do instituto.
Na semana passada, a autarquia criou um comitê para monitorar, avaliar e propor soluções para reduzir a fila de requerimentos de benefícios. “Além de atuar diretamente nos 920 mil processos que estão sob a governabilidade do INSS, o grupo terá a missão de propor soluções e melhorias para as demais pendências que compõem o estoque. O prazo final para os trabalhos é 30 de junho de 2026”, diz o INSS.
Esse grupo, que já teve sua primeira reunião, contará apenas com servidores do INSS. O Ministério da Previdência Social não foi convidado a participar, segundo apurou o Valor. Procurada, o ministério não comentou.
“É jogo de empurra-empurra que não faz o menor sentido. Para o cidadão que está na fila não interessa de qual parte do governo é a responsabilidade pela fila. A responsabilidade é do governo e ponto, porque o governo é único”, afirma o especialista em previdência Luis Eduardo Afonso, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP.
Ele avalia que uma série de fatores leva ao problema histórico da fila do INSS, desde a questão demográfica até o conjunto de ineficiências do setor público, como falta de investimento, de servidor público e de gestão. “Falta gestão de longo prazo, porque não vamos acabar com a fila rapidamente”, afirma.
“São duas agendas na Previdência que temos que olhar: uma é estrutural, pensar em reforma e como vamos custear o sistema; outra é gerencial, porque a Previdência tem que atender aos cidadãos e, nesse aspecto, essa agenda ficou muito de lado”, completa Afonso. As informações são do jornal Valor Econômico.