Terça-feira, 04 de novembro de 2025
Por Redação O Sul | 3 de novembro de 2025
				Em julho de 2025, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU) anunciou que, mais uma vez, o Brasil estava fora do Mapa da Fome. O marco indica que a proporção de pessoas que passam fome no País ficou abaixo de 2,5% da população. Isso, no entanto, não significa que estamos nos alimentando bem.
Na verdade, muitos brasileiros sofrem da chamada fome oculta ou silenciosa: significa que, mesmo alcançando uma ingestão calórica suficiente (ou até acima do adequado), há uma deficiência de nutrientes importantes na dieta. Entre os principais motivos para isso estão a falta de diversidade alimentar no dia a dia e o consumo crescente de produtos ultraprocessados.
Vale destacar que a fome oculta pode inclusive ocorrer em paralelo ao sobrepeso e à obesidade, problemas que afetam 68% da população brasileira, segundo o Atlas Mundial da Obesidade 2025.
“É como se a gente pudesse separar fome e fome oculta. Uma coisa é faltar alimento, outra coisa é faltar um micronutriente ou mais de um micronutriente específico”, afirma a nutricionista Lhais de Paula Medina, professora de saúde coletiva na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A fome oculta é frequentemente associada à carência de ferro e vitamina A, resultando em condições como anemia e hipovitaminose. Em crianças, o impacto é especialmente preocupante, já que o déficit nutricional enfraquece o sistema imunológico, prejudica a aprendizagem, compromete o desenvolvimento ósseo e, em casos mais severos, pode provocar atrasos no crescimento.
O relatório Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo (Sofi 2025) mostra que a América Latina e o Caribe vivem um paradoxo que pode ajudar a explicar, pelo menos em parte, a ocorrência da fome oculta. A região foi a que mais reduziu os índices de insegurança alimentar no mundo, mas, ao mesmo tempo, se tornou o lugar onde uma dieta saudável custa mais caro. Em 2024, o preço médio de uma alimentação equilibrada chegou a US$ 5,16 por pessoa por dia em paridade de poder de compra (PPP). Esse foi o valor mais alto registrado em todo o mundo.
A PPP é uma taxa de câmbio que ajusta os preços entre diferentes países para refletir o custo real dos bens e serviços, permitindo uma comparação mais justa do poder de compra das moedas.
No Brasil, o custo de uma alimentação saudável foi estimado em US$ 4,69 PPP por dia (aproximadamente R$ 25). Cerca de 23,7% da população no País – 50,2 milhões de pessoas – foi incapaz de arcar com esse padrão alimentar no último ano. Globalmente, a média de pessoas sem condições de pagar por uma dieta saudável é de 31,9%.
Outro fator que contribui para a fome oculta é a presença cada vez mais marcante de itens ultraprocessados na mesa do brasileiro. A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2017-2018), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou que esses produtos já representam cerca de 20% das calorias ingeridas no País.
Esse grupo é composto por alimentos e bebidas que foram submetidos a métodos mais agressivos de alteração do produto in natura, além da adição de substâncias de uso industrial, como aromatizantes, corantes, conservantes, emulsificantes e outros aditivos. Alguns exemplos de itens classificados dessa maneira: bebidas lácteas, refrigerantes, barrinhas de cereais, macarrão instantâneo, sucos em pó, cereais matinais, tortas, pratos de massa e pizzas pré-preparadas, pães embalados, nuggets de frango, bolachas e biscoitos.
Esses itens são projetados para serem atrativos, práticos e saborosos. O problema é que, de acordo com o médico Alexandre Hohl, diretor da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), eles têm baixo valor nutritivo e uma concentração muito grande de calorias. Ou seja, não ofertam substâncias importantes para o pleno funcionamento do organismo e ainda facilitam o ganho de peso. Os ultraprocessados são, inclusive, considerados obesogênicos – embora o componente genético tenha um papel importante na obesidade, hábitos de vida fazem muita diferença no desenvolvimento da doença.
Um estudo feito pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP), publicado em junho do ano passado na Revista de Saúde Pública, chegou a avaliar como é o consumo de ultraprocessados nos 5.570 municípios brasileiros. O levantamento revela uma heterogeneidade nesse sentido. Em Aroeiras do Itaim, no Piauí, esses produtos representam 5,75% do consumo alimentar da população. Já em Florianópolis, Santa Catarina, eles compõem 30,5% do cardápio.
A pesquisa mostra que, em geral, municípios de menor renda consomem menos ultraprocessados. No entanto, a dieta ainda é pobre em diversidade. A alimentação se concentra em arroz, feijão e carnes, mas com baixo consumo de frutas e hortaliças – o que mantém a população vulnerável à falta de micronutrientes e, portanto, à fome oculta.
Segundo os pesquisadores, renda e urbanização são fatores que se destacam nessa distribuição. “Municípios mais urbanizados apresentam maiores estimativas de consumo de ultraprocessados; todas as capitais, por exemplo, superam os demais municípios de seus respectivos Estados, e um padrão semelhante aparece nas regiões metropolitanas”, diz o nutricionista Leandro Cacau, autor do estudo.
“Localidades com maior poder aquisitivo também exibem estimativas mais altas, o que é coerente com a evidência de que, no Brasil, pessoas de maior renda consomem mais ultraprocessados”, acrescenta o pesquisador. Outros fatores podem contribuir para essas diferenças, como o ambiente alimentar local, além da oferta e do acesso a alimentos ultraprocessados. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.