Quinta-feira, 07 de agosto de 2025
Por Redação O Sul | 5 de agosto de 2025
Dormir pouco ou mal já é amplamente reconhecido como fator de risco para diversas doenças. Mas um novo estudo, publicado recentemente na revista Health Data Science, revela que não é só a duração do sono que importa.
A regularidade com que se dorme — ou seja, a consistência dos horários de dormir e acordar e a estabilidade do ritmo circadiano — pode ser ainda mais decisiva para a saúde do que se imaginava. Dormir em horários diferentes a cada dia, um hábito comum, está associado a maior risco de doenças.
A pesquisa analisou dados de mais de 80 mil adultos, acompanhados por uma média de 6,8 anos. O resultado foi contundente: padrões irregulares de sono estiveram associados a um risco aumentado de 172 doenças — de problemas circulatórios a distúrbios hepáticos. Em 92 dessas doenças, mais de 20% do risco foi atribuído a hábitos ruins de sono.
Os pesquisadores também identificaram que dormir após 00h30 de forma recorrente estava ligado a um aumento de 2,57 vezes do risco de desenvolver cirrose hepática. Já a baixa estabilidade do sono entre diferentes dias da semana se relaciona a 2,61 vezes mais risco de gangrena — morte dos tecidos por falta de irrigação sanguínea.
Segundo o neurologista Lucio Huebra, membro da Academia Brasileira do Sono e do Hospital Sírio-Libanês, o estudo traz um dado relevante: a objetividade.
“A avaliação foi feita por actígrafos, aparelhos semelhantes a smartwatches, que quantificam movimentos e reconhecem períodos de sono e vigília. Isso confirma de maneira mais concreta o que já se observava em relatos subjetivos: a relação entre sono encurtado, fragmentado ou com ritmo circadiano desregulado e diversas doenças”, afirma Huebra.
Dormir em horários diferentes a cada dia ou ter uma rotina muito distinta entre semana e fim de semana compromete o funcionamento do ritmo circadiano — o relógio biológico que regula funções como sono, apetite e produção hormonal.
É o que os especialistas chamam de jet lag social, uma espécie de “fuso horário interno desajustado”.
Essa irregularidade afeta não só o sono, mas todos os hormônios que estão interligados. Inclusive aqueles relacionados à fome, à saciedade e à produção de células de defesa, fazendo com que todo o sistema precise trabalhar dobrado tentando ressincronizar funções, explica Laura Castro, sócia da plataforma Vigilantes do Sono.
A neurologista Paula Vallegas, especialista em medicina do sono pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), explica que o sono irregular atua como um gatilho de estresse, levando o sistema imunológico a produzir citocinas inflamatórias.
“Essa inflamação pode, ao longo do tempo, danificar as células e tecidos de diversos órgãos, contribuindo para o desenvolvimento de diversas patologias. É crucial ressaltar, no entanto, que o estudo aponta para uma associação e não estabelece uma relação de causalidade direta. Doenças como cirrose hepática e gangrena são multifatoriais, e o sono irregular é um fator de risco associado, mas não a única causa”, diz Paula Vallegas.
Trabalhadores por turnos, adolescentes e idosos são particularmente suscetíveis aos efeitos da irregularidade do sono. Adolescentes, por exemplo, têm uma tendência fisiológica a dormir mais tarde, o que entra em conflito com a rotina escolar. Já nos idosos, a produção de melatonina diminui naturalmente, e o sono tende a ser mais fragmentado.
Laura lembra que o impacto pode ser tão grande que chega a interferir no ciclo menstrual: “Mulheres que passam a trabalhar em turnos noturnos, como comissárias de bordo, podem entrar em amenorreia (ausência de menstruação). Isso mostra o quanto o sono está entrelaçado com todos os hormônios do corpo”, afirma.