Domingo, 25 de maio de 2025
Por Alexandre Teixeira de Castilhos Rodrigues | 24 de maio de 2025
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
A Faixa de Gaza, encravada entre o deserto do Sinai e o Mar Mediterrâneo, é mais do que um ponto no mapa. É o retrato da persistência do conflito humano. Há milênios, essa terra disputada por cananeus, filisteus, egípcios, assírios, gregos, romanos e muitos outros, se mantém como um palco histórico de embates territoriais, religiosos e culturais — um verdadeiro caldeirão do Crescente Fértil.
O solo de Gaza carrega, talvez, as pegadas mais antigas do conflito entre irmãos. Após a morte do profeta Maomé, em 632 d.C., dividiu-se a liderança espiritual islâmica entre sunitas e xiitas — uma fratura que ainda ecoa por toda a região e influencia alianças, hostilidades e intervenções que moldam o Oriente Médio moderno.
O território da Faixa de Gaza, com seus apertados 365 km², abriga hoje cerca de 2 milhões de pessoas, majoritariamente palestinas. Faz fronteira ao sul com o Egito e, ao norte e leste, com Israel. Desde 2007, está sob o controle do Hamas — grupo islâmico que, diferentemente do Fatah, não reconhece o Estado de Israel e rejeita negociações com seu vizinho.
A atual configuração do conflito se agravou no último século, desde o colapso do Império Otomano e a subsequente administração britânica da Palestina, após a Primeira Guerra Mundial. A criação do Estado de Israel, em 1948, deu início a uma série de guerras, deslocamentos e ressentimentos que não cessaram até hoje.
Em meio à tensão crescente do pós-guerra, foi criada pela ONU, em 1956, a UNEF — Força de Emergência das Nações Unidas. Sua missão: separar exércitos em conflito após a Crise de Suez e garantir a retirada de tropas invasoras. Foi aí que entrou o Brasil, com um gesto que honraria sua diplomacia de paz: o envio de soldados para vigiar, não para guerrear.
Meu pai, conhecido entre os companheiros como Castilhos, integrou o 5º Contingente do Batalhão do Suez, partindo em 1959 como um dos nossos “Soldados da Paz”. Ele não levou uma bandeira de dominação, mas uma boina azul e o ideal de proteger vidas. Dizia sempre: — Aquela terra, filho, tem conflitos milenares que não vão cessar facilmente.
Os capacetes azuis conseguiram, ainda que temporariamente, estabilizar a região, garantir a segurança da retirada militar e estabelecer um modelo de força de paz que inspiraria outras missões no mundo. A atuação da UNEF, laureada com o Prêmio Nobel da Paz em 1988, não apagou o conflito, mas mostrou que a neutralidade e o diálogo podiam ao menos estancar a hemorragia da guerra.
Hoje, Gaza sangra novamente. A guerra entre Israel e o Hamas deixou milhares de civis mortos e deslocados. Hospitais colapsaram, a escassez de alimentos e água potável atinge níveis alarmantes, e o mundo assiste, quase impotente. A região está à beira de uma escalada regional, com a presença do Hezbollah no Líbano, o Irã no apoio bélico, os Estados Unidos ao lado de Israel, e Qatar e Turquia financiando o Hamas. A ONU, a União Europeia e o Egito tentam, como podem, mediar o caos.
Não há solução mágica. A complexidade do conflito envolve fronteiras, refugiados, o status de Jerusalém, os assentamentos israelenses e o reconhecimento mútuo. Propôs-se, certa vez, por Donald Trump, um plano econômico trilionário em troca da criação de um Estado Palestino, sob a condição de Jerusalém indivisível e os assentamentos mantidos — uma equação difícil de equilibrar.
É neste cenário que a memória do meu pai retorna, não com rancor, mas com a sabedoria de quem andou por aquelas areias. Ele sabia que a paz, muitas vezes, é apenas uma trégua com farda e esperança. Seu legado, como o de tantos soldados brasileiros da ONU, não foi o de apagar o conflito, mas de lembrar ao mundo que há sempre espaço para proteger, ouvir e reconstruir.
*Alexandre Teixeira G. de Castilhos Rodrigues, advogado, escritor, oficial R2 e doutorando em direitos humanos, UNLZ, Argentina.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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